Ívian Destro Boruchowski, MEd
Coluna Educação Bilíngue
Nos últimos anos, tenho conhecido e conversado com brasileiros de diversos lugares do mundo. Mães, pais e professores que se tornam líderes comunitários e organizam-se para manter e desenvolver a língua e a cultura de herança para filhos de brasileiros (como também portugueses, moçambicanos, etc.) que vivem na diáspora. Tenho muita admiração por essas iniciativas e fico muito feliz quando me contatam para conversar. Entre diversas questões que me fazem, as mais frequentes envolvem dicas para manter e desenvolver a língua e a cultura em língua portuguesa dentro de casa, como agregar pessoas para iniciar uma escola comunitária de língua de herança, como organizar o currículo para essas aulas, o que fazer quando há crianças com habilidades muito diferentes na mesma sala de aula, etc.
Vou compartilhar aqui uma das histórias que me comove e das quais me orgulho. Acredito que ela possa inspirar outras pessoas a se organizarem e agirem em suas comunidades. Mariana, que mora na Geórgia, EUA, há menos de um ano, tem uma filha de 2 anos. Ela leu um texto que escrevi no website da Sociedade de Linguística Aplicada e Educação Digital e que discute sobre como um currículo multicultural vai além de promover festas e comidas típicas. Mariana, inspirada e intrigada entrou em contato comigo:
Na escola da minha filha não há nada neste sentido, nem mesmo as festas com comidas típicas. E neste último mês, a meu pedido, tenho ido duas vezes por semana lá para ajudar em algumas atividades, já que neste momento tenho tempo livre e também é uma forma de praticar o inglês e entender um pouco melhor este novo mundo. Bom, lendo o seu texto e baseado em algumas coisas que vinha pensando, gostaria de propor algo na escola, principalmente dentro da turma de minha filha, no sentido desta valorização de uma abordagem multicultural.
A Julia chegou aqui falante apenas em português e hoje já fala muita coisa em inglês, mas gostaria que ela pudesse exercitar mais o seu “lado brasileiro”, que ainda é bem maior que o “lado americano”. E que de alguma forma também houvesse um ganho para os demais. Porém me encontro perdida do que propor exatamente, que seja interessante para todos e que não seja invasivo, no sentido de parecer que quero revolucionar tudo só porque não somos daqui!
Em conversa por telefone, discutimos sobre como seria importante para a filha que a identidade dela fosse acolhida pela escola e como os pais têm um papel importante em educar a escola para que isso aconteça. Também conversamos sobre como seria enriquecedor para todas as crianças da escola conhecer e valorizar a origem diversa das crianças que dela participam. Foi assim na escola de meus filhos, eu levantei a bandeira das línguas e culturas de herança há mais de 5 anos. No início, percebi alguma resistência e estranhamento nas frases que ouvia, por exemplo: “Você não acha que ele precisa falar inglês primeiro”, ou , “Você fala português com ele, isso não vai atrapalhar?”. Bem, eu sou mais resistente que a resistência de algumas pessoas e acredito muito que a cada conversa eu educo alguém sobre o assunto. Dessa forma, hoje, professores e pais da escola valorizam as múltiplas identidades das crianças que a frequentam. Consegui, inclusive um espaço para fazer um trabalho voluntário semanal de trabalhar com a língua portuguesa de herança para as crianças das 8 famílias de brasileiros em nossa escola.
Vejamos o desenrolar da experiência de Mariana. Depois de conversarmos e trocarmos ideias, olhe o que aconteceu na Geórgia…
Após nossa conversa no telefone tomei coragem e propus algumas atividades na escola da Julia, tentando levar um pouco de nossa cultura para dentro da sala de aula dela. O resultado foi mais do que eu esperava!
A primeira atividade que compartilhei com eles foi muito inspirada em você, assim levamos um pouco do carnaval brasileiro. Para minha surpresa duas semanas depois, a escola iniciou um projeto chamado “crianças ao redor do mundo”, onde cada turma se encarregou de conhecer a cultura de diferentes países. A professora da Julia pediu que a turma ficasse com o Brasil! Assim cada semana trabalhamos algo do Brasil, passando pelas vestimentas, culinária, instrumentos musicais e a fauna e flora! Foi demais poder ajudar em tudo isso e certamente poderia não ter acontecido desta forma se não tivesse tomado a iniciativa anteriormente de ter pedido este espaço! (…) Sem dúvida este é só o início de um grande desafio! Tenho consciência de que a inserção destas diferenças na escola é mais do que festas folclóricas, mas acredito que tenha sido um início para ambos os lados, pois afinal não é fácil para nós mesmos enfrentarmos esta realidade!
Agradeço a Mariana por ter me escrito um e-mail, por termos conversado por telefone e por ter compartilhado sua experiência e o resultado dela comigo. A semente do meu trabalho é a de agregar pessoas para refletir e discutir sobre o ensino de Português como Língua de Herança por esse mundão afora… Espero que essa e outras histórias que eu compartilhe aqui, inspirem mães, pais e professores a tomarem a iniciativa de se agregarem, pois como reescreveu Rosa: Tudo que se ajunta, espalha!
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PS: Para o texto, utilizei as próprias palavras escritas por Mariana, com a permissão dela.
PPS: Guimarães Rosa inspirou-se em um verso bíblico e reescreveu-o colocando um novo sentido. A frase é citada no final do conto “Conversa de Bois”, em Sagarana.