Por Mirela Estelles
Coluna Brincando
“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade.” Manoel de Barros
Eu tive um quintal!
Um só não, vários quintais!!!
A rua no interior de São Paulo também era o meu quintal. Lá brincávamos de garrafão, mãe da rua, taco, queimada… Fazíamos fogueira e soltávamos balão de jornal, chamado galinha preta, entre tantas outras brincadeiras.
Nasci em São Paulo mas passei a maior parte da infância e pré-adolescência no interior. Mudei algumas vezes de cidade por conta do trabalho do meu pai. Interior, interiorrr, orrrrrrrrr… cada vez mais interior, com alguns pequenos retornos para São Paulo.
Me lembro do prazer que tinha em mexer com a terra molhada no quintal da minha avó! Eu, minha irmã e meus primos, fazíamos “bolos” confeitados com sementes, frutos, flores, folhas e gravetos, para “vendê-los” na nossa “Casa de bolos” – esta era uma das brincadeiras preferidas que repetidamente acontecia na sombra do caquizeiro. Lembro também da sensação da terra molhada entre os dedos das mãos e dos pés, de cavoucar a terra à procura de tatu bola e minhoca, entre tantas coisas mais!
Hoje, essa memória da infância, além de me trazer alegria, me traz o desejo de estar com as crianças em outros quintais, onde possamos imaginar, inventar, descobrir, sentir, criar – brincar. Ainda que, hoje, esteja com elas em práticas ao ar livre, por trabalhar em um museu localizado no maior parque da cidade de São Paulo, e, realize ações que buscam dialogar com a natureza, tenho percebido a falta de intimidade das crianças com o ambiente do parque.
Em situações distintas, ao convidar as crianças para simplesmente sentarem na grama, algumas delas expressaram certos receios, como de se sujar ou de serem picadas por algum bicho. Provavelmente por recomendações dos pais ou até mesmo por falta de vivência nestes espaços.
Em uma das ações, com experimentações e construção de desenhos com elementos da natureza, uma das crianças me perguntou:
O que é folha seca? coloquei uma folha seca em sua mão e ela apertou a folha até esfarelá-la. Quando terminou, olhou para mim com um sorriso e foi correndo recolher folhas secas para acabar de compor seu desenho.
No fim do ano passado, um grande educador mineiro, em visita ao parque Ibirapuera, observou:
“A cidade está tão dentro das pessoas que elas veem ao parque passear e se exercitar, porém, as vemos circulando somente onde tem pavimento, poucas delas caminhando nas áreas de mais natureza onde o chão é de terra mesmo”.
Acredito que, nós educadores, e, principalmente, os pais, temos o papel crucial de fomentar e viabilizar o contato das crianças com a natureza, mesmo nas grandes cidades, buscando, dentro das possibilidades, explorar os mais diversos “quintais”. Essa prática com certeza fortalecerá a criança como um todo e sua identidade cultural. Afinal, brincar é uma das formais mais naturais de se transmitir nossa herança.
“ Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem gente, tal intimidade entre nós – à sua sombra brincava e em seus galhos mais dóceis à minha altura eu me experimentava em riscos menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores.” (Paulo Freire, A importância do ato de ler – pág. 20)