Editorial
Por Felicia Jennings-Winterle
Plataforma Brasileirinhos, Editora
Abril é o mês do Dia do Índio (19/4), do Dia Internacional do Livro Infantojuvenil (2/4), do Dia Nacional do Livro Infantojuvenil, Dia do Monteiro Lobato (18/4), Dia de Tiradentes (21/4), Dia do Descobrimento do Brasil, Dia do Planeta Terra (22/4), Dia da Educação (28/4). É um mês cheio de festividades e um que dá muitas oportunidades para (re)pensarmos sobre nossos conceitos, nossos valores… sobre nossas heranças.
Em primeiro lugar, e já passou da hora, é preciso nos (re)educarmos em relação à história do Brasil e (re)definirmos o que ela significa para cada um de nós. Isso tem tudo a ver com todas as datas acima citadas.
Como iniciativas em prol do português como língua de herança, mais do que ensinar o ABC, damos espaço, ferramentas e materiais para que a criança – ou o adulto – e sua família incorporem em seus contextos uma identidade realmente multicultural e, juntos, cresçam globalmente. Mais ainda, se desenvolver e fortalecer o senso de pertencimento à essa língua de herança é uma das bases de nossa prática pedagógica, tratar de uma identidade, uma língua e uma cultura do Brasil é um retrocesso.
De fato, identidadeS, línguaS e culturaS compõem o mosaico que chamamos de Brasil.
Em 2015/2016 o tema de discussão no mundo do PLH é uma indagação: quais são as heranças dessa herança? Trata-se de um convite à uma reflexão sobre nossas raízes, sementes, galhos… e, gostaríamos de dedicar o mês de abril para a (re)construção do conceito indígena.
Já há bastante tempo preocupa educadores, antropólogos, psicólogos, entre outros, o que entedemos e o que ensinamos como identidade, matriz e história às novas gerações. No Brasil, uma grande questão nesse sentido é a visão que construímos sobre o “índio”, o cara que morava na terra do pau-brasil antes de ser “descoberta” e conceituada Brasil.
Em uma busca movida pelo desejo de entender porque identidadeS e não identidade, cheguei a uma conversa com o filósofo Daniel Munduruku. Ativista, doutor em educação e autor de destaque no mercado editorial brasileiro, ele nos convida a desengessar concepções sobre essa gente e sobre o nome que a representa.
“As escolas e seus profissionais precisam fazer uma leitura crítica sobre como estão lidando com este conceito e, quem sabe, passar a tratar o tema com a dignidade que merece. Precisa começar a se dar conta que esta palavra traz consigo um fardo muito grande e pesado, pois se trata de um apelido aplicado aos habitantes dessa terra. Pensar que a palavra é um engano tão grande quanto considerar que estes grupos humanos podem ser reduzidos a ela. Não podem. Isso seria continuar escondendo a diversidade cultural e linguística que o país traz em seu bojo desde a chegada dos europeus conquistadores. É colocar debaixo do tapete a existência, hoje, de 250 povos (e não tribos, como fomos acostumados a chamar) espalhados por todos os estados brasileiros, falando algo em torno de 180 línguas e dialetos (não apenas o tupi, como antes se ensinava) (…) Por incrível que possa parecer não há relação direta entre as palavras índio e indígena, embora o senso comum tenha sempre nos levado a crer nisso. Por este caminho veremos que não há conceito relativo ao termo índio, apenas preconceito: selvagem, atrasado, preguiçoso, canibal, estorvo, bugre são alguns deles. E foram estas visões equivocadas que chegaram aos nossos dias com a força da palavra. Por outro lado o termo indígena significa “aquele que pertence ao lugar”, “originário”, “original do lugar”.
E quem foi que deu, replicou e perpetuou esse conceito? A mesma meia-dúzia de gente que reduziu a história do Brasil e seus milhões de habitantes a uma de 516 anos. Pense aí por um minuto: quanto você sabe e quanto pode passar para os seus brasileirinhos sobre a história do Brasil a.Cabral? (Aliás, especialmente pensando em heranças dessa herança, o quanto você sabe sobre a história do africano a.Brasil e do próprio português antes de chegar no Brasil? O que sabe sobre todos os povos que formam as identidades brasileiras?)
Já parou para pensar que toda essa gente também tinha histórias passadas de geração em geração, práticas de sobrevivência, de pesquisa, de arte e de tecnologias que sobreviveram milhares e milhares de anos? Provavelmente não. Como poderia? Tudo o que sabemos é que aqui estavam, que foram dizimados e que pouquíssimos restaram. Essa visão simplificada é errônea, porém, replicada ainda hoje, no Brasil e na cabeça do brasileiro, inclusive daquele que mora no exterior.
Por isso, educador, dia 19 de abril (e consequentemente no dia 22 e 28 de abril) reflita sobre sua prática pedagógica: Não vai ter dia do índio. Não do jeito que alguns de nós têm feito. Não vai ter brincadeira de índio, não vai ter criança com cara pintada e pena na cabeça gritando uuuuuuh. O que vai ter? Uma ruptura com um passado simplista e uma construção para um futuro de diversidade, de diferença, a começar pelo conhecimento sobre o que realmente é o indígena, matriz nas/das identidades brasileiras. E como vai ser isso? Aí, você me conta lá embaixo nos comentários.
“Aqui não há índios, há indígenas; não há tribos, mas povos; não há UMA gente indígena, mas MUITAS gentes, muitas cores, muitos saberes e sabores. Cada povo precisa ser tratado com dignidade e cada pessoa que traz a marca de sua ancestralidade, precisa ser respeitada em sua humanidade. Ninguém pode ser chamado de ‘índio’, mas precisa ser reconhecido a partir de sua gente Munduruku, Kayapó, Yanomami, Xavante ou Xucuru-Kariri, entre tantos outros”.
Termino desejando um desafiante e estimulante mês de abril, convidando-os a aprofundarem essa reflexão lendo três textos do Daniel, aqui, e replicando uma questão que ele coloca e que me fascinou:
“São os ‘índios’, brasileiros? Que tal desentortar o pensamento e inverter a pergunta: serão os brasileiros, ‘índios’? Será que a ordem dos fatores irá alterar o produto?”
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