Por Aline Frederico
Coluna High Tech
Ler livros e contar histórias são ótimas maneiras de transmitir a herança da nossa língua e cultura aos pequenos, de transportar a eles e a nós mesmos para outros mundos e lugares e vivenciar o que têm de único e maravilhoso, especialmente quando esse lugar está longe e tem aspectos tão diferentes de onde se vive agora.
Os livros em papel têm toda uma magia especial que envolve o toque, o virar da página, o cheirinho da tinta no papel, que são insubstituíveis. Os livros digitais, por sua vez, apresentam outras possibilidades de narrativa e de engajamento com as histórias. Além disso, muitas vezes seu acesso é muito mais fácil aos Brasileirinhos espalhados pelo mundo porque podem ser comprados ou acessados gratuitamente em poucos cliques.
Mas o mundo digital é diverso e o livro digital pode ter muitos formatos e ser acessado de diferentes maneiras. Com esse post inicio uma série sobre os diversos formatos de livro digital, suas características, como encontrá-los e alguns títulos em português que merecem destaque em cada modalidade.
A última novidade em termos de formato de livro digital parece ter sido criada no Brasil mesmo, com o lançamento no dia 18 de abril, Dia Nacional do Livro Infantil, de O Menino e o Foguete, do escritor Marcelo Rubens Paiva e do ilustrador Alexandre Rampazo. O livro é parte de uma série – o próximo autor promete ser Luis Fernando Veríssimo – lançada pelo banco Itaú como parte do programa Itaú Criança, da Fundação Itaú Social. O projeto em anos interiores distribuiu milhares de livros impressos gratuitos – já ouvi muitas famílias brasileiras no exterior comentando ter recebido de parentes e amigos livros que fizeram parte do programa.
O que faz de O Menino e o Foguete talvez o primeiro de um novo formato é o fato de que só pode ser acessado em tablets e smatphones pela página do banco Itaú no Facebook. Esse formato, chamado de smart canvas, foi desenvolvido originalmente para exibir publicidade na rede social quando acessados por dispositivos móveis e não funciona no computador.
Como especialista em literatura infantil devo dizer que a história de O Menino e o Foguete é bonita mas não possui nada de único ou inovador: um menino imagina uma viagem ao espaço depois que uma lanterna em formato de foguete é instalada em seu quarto. As lindíssimas ilustrações são provavelmente o ponto forte da história e ganham vida com pequenos detalhes animados e a alta definição dos aparelhos móveis.
A história não é interativa, mas o leitor pode navegar ou passar as “páginas” de forma diferenciada, recebendo indicações pra deslizar a tela para baixo ou para os lados e explorar as cenas em diferentes direções. Se por um lado esse recurso apresenta uma maneira diferente de ler no meio digital, por outro o sistema não é completamente claro e diversas vezes acabei fechando o livro por engano e voltando à página do Facebook, tendo que recomeçar a história do início.
A história é adequada a crianças a partir dos quatro anos de idade, porém esse sistema de navegação poderá fazer da leitura compartilhada um desafio, já que dificilmente crianças pequenas serão capazes de navegar por conta própria e estar com um dispositivo touch na mão e fazer com que a criança não interaja vai requerer explicação e negociação (o que, obviamente, não é necessariamente ruim).
Essa limitação técnica nos faz lembrar que, sim, ainda que o livro tenha mérito e a iniciativa de promover o acesso gratuito a livros infantis seja louvável, esses livros são uma forma de propaganda. Quando uma criança (ou adulto) passar o dedo por engano pro lado errado da tela, a primeira coisa que vai acessar é a página do banco no Facebook. E toda vez que você ou a criança quiserem acessar a história, vocês terão que entrar no aplicativo do Facebook e então nessa página. Sabe-se lá por quanto tempo a história vai estar facilmente visível, já que novos posts vão sendo incluídos e muito em breve vai ficar difícil encontrá-la. Assim pode ser que as releituras, tão comuns entre os pequenos, fiquem prejudicas.
Além disso há o problema de que o Facebook não é uma plataforma pra crianças. Vale lembrar que em teoria a idade mínima pra se ter uma conta é de 13 anos. Ainda que a recomendação seja de sempre acompanhar sua filha ou filho no uso da tecnologia, aquela estratégia de “olha essa historinha ou esse aplicativo enquanto eu vou no banheiro” pode ser perigosa, pois muito facilmente a criança pode acabar acessando conteúdos inadequados pra sua idade na rede social.
O Menino e o Foguete então abre a questão: será o Facebook um meio adequado para se disponibilizar livros infantis? Do meu ponto de vista, não. O livro, porém, está por aí, a história deve cativar os pequenos leitores e pra muitas famílias de Brasileirinhos essa pode ser a primeira oportunidade de acessar um livro brasileiro de qualidade gratuitamente. Sendo assim, estejamos cientes dos perigos e limitações mas aproveitemos mais essa oportunidade de trazer o português pra hora da leitura.
Para acessar o livro e tirar suas próprias conclusões, clique aqui.
O próximo post será sobre os livros-aplicativos e o potencial que esse formato tem em apresentar histórias e formas de ler inovadoras.
Aline Frederico é pesquisadora e doutoranda em literatura infantil na Universidade de Cambridge e pesquisa livros infantis interativos no iPad. Colabora com o recém-nascido blog Literatura Infantil Digital e coordena o projeto Historinhas em Cambridge de contação de histórias em português. Na Plataforma Brasileirinhos, Aline comanda a coluna High Tech.
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