`Owe ni Ifá Ipa òmòràn ni ímò ó (Ifá fala sempre por parábolas; sábio é aquele que sabe entendê-las).
Sumário
Prefácio – pg. 3
Agradecimentos – pg. 6
Introdução – pg. 8
Definições – pg. 10
“O Mito” – Juana Elbein dos Santos – pg. 11
Primeiro capítulo – A Criação – pg. 16
Segundo capítulo – A Concepção – pg. 39
Terceiro capítulo – A Síntese – pg. 48
Quarto capítulo – O Homem – pg. 55
Mensagem – Poema Zen – pg. 80
Dados Bibliográficos – pg. 81
Glossário – pg. 83
Prefácio
Joana Elbein dos Santos, no livro Os Nàgó e a Morte, em sua tese de Doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbonne, em Paris, traduzida pela Universidade Federal da Bahia, forneceu-me os dados necessários sobre os dois princípios responsáveis pela Gênese do Universo, – Obàtálà e Odùdúwà, que disputam o título de Òrìsà da Criação, revelando-me que houve um embate pela supremacia entre estes dois princípios; sendo assim, um fator constante em todos os mitos e textos litúrgicos Nàgó. Segundo ela, em alguns mitos, Odùdúwà, também chamado Odùa, é a representação deificada das Iyá-mi, a representação coletiva das mães ancestrais e princípio feminino onde tudo se origina. Assim, Odù corresponde a Obàtálà ou Òrìsàlá, que é o princípio criativo masculino.
Desejo, através deste trabalho, mostrar o significado dos Òrìsà-funfun na Gênese do Universo, no seu Cosmo-Gênese, como também, o seu significado psicológico e humano, através do Ìtàn Ìgbà-ndá àié, revelado pelo Odù-Ifá Òtúrúpòn-Òwónrín; assim como, demonstrar que os mitos cosmogônicos não descrevem o início absoluto do mundo, mas, o surgimento da consciência como segunda criação. “Observem que ninguém percebe que sem uma mente reflexiva não há mundo, e que, por conseguinte, a consciência é um segundo criador do mundo”. Carl Gustav Jung.
O fato de ter feito analogias com textos bíblicos cristãos, taoístas, budistas, teosóficos, esotéricos, exotéricos e psicológicos para decodificar a mensagem mítica deste Ìtán, teve por finalidade esclarecer aos leitores com os seus acervos culturais, psicológicos e religiosos, que “todos os vasos são de ouro puro”, como dizem os mestres budistas. Ou seja, a Verdade é Una, chegou para todos de forma diferenciada apenas na sua forma, – conforme a sua cultura.
Observei que a cosmo visão religiosa do Candomblé é fortemente influenciada pela concepção de mundo na tradição Yorubá, e que essa tradição possui uma grande complexidade devido à falta de uniformidade, permitindo assim um grande número de conceitos e interpretações por não ter nenhuma instância que sirva de referência e medida para o todo. Em compensação, há uma visão unitária básica da existência que é compartilhada pelos “filhos de santo”. A concepção Yorubá de mundo existe em dois níveis denominados “dublê”, Àiyé e Orún, que não são locais separados existencialmente, mas, formas e possibilidades diferenciadas entre si, que não se opõe uma a outra, existindo de forma paralela apenas. Logo, o Àiyé não é um nível de existência fora do Orún, mas, um útero que o fecunda e manifesta toda a sua criatividade ilimitada, gerando um equilíbrio. Um não subsiste sem o outro, e desta harmonia depende todo universo e suas formas de vida. A manutenção deste equilíbrio harmônico na natureza e no ser é o objetivo do Candomblé através de suas atividades religiosas.
A Gênese Nàgó Yorubá retrata através do mito Igbà-Odù a luta travada entre os princípios responsáveis pela Criação, Obàtálà e Odùdúwà para o restabelecimento dessa harmonia à partir do conflito gerado por suas polaridades complementares. Obàtálà é o elemento criativo idealizador, Odùdúwà, o elemento gestor de toda a existência material, física e humana. A mensagem deste belíssimo Itán tem a finalidade de nos mostrar que só através da individuação e integralidade dos opostos é possível gerarmos algo criativo com sucesso e harmonia.
Algumas pessoas no decorrer deste trabalho, não discerniram com facilidade o termo individuação criado por Carl Gustav Jung, por isso, tentarei esclarecê-lo para uma melhor compreensão.
Há uma enorme diferença entre individuação e individualismo, pois, a individuação respeita as normas coletivas de uma sociedade e, o individualismo as combate. A individuação é um processo no qual o ego visa tornar-se diferenciado da coletividade com tendências inconscientes, apesar de nela viver e ainda assim, ampliar as suas relações sociais. Já o individualismo, cede à tendências egocêntricas e narcisistas, identificando-se com papéis coletivos inconscientes. A individuação integra o ser levando-o à realização espiritual e ao Self ou Eu superior, ao invés da satisfação egótica. Este processo, porém, só é alcançado através de uma grande resistência e defesa do ego, que gera assim, um grande conflito. Muitas vezes, sonhamos com figuras que tendem a demonstrar a necessidade de uma integralidade com a polarização oposta à nossa consciência. Precisamos a partir daí saber de forma consciente o recado que o nosso inconsciente nos dá, integralizando-nos, acabando assim com o conflito que bloqueia o crescimento espiritual exigido. Como exemplo, darei o sonho Bíblico de Jacó, em Gênesis 28:10 onde o mesmo, depois de uma cansativa viagem pelo deserto, deita-se e recosta sua cabeça sobre uma pedra para dormir. Depara-se em sonho com a imagem de uma grande escada que se apoia na terra e chega aos céus. Os anjos do Senhor sobem e descem os seus degraus! Eis que Iahweh estava de pé diante dele e lhe disse: “Eu sou o Deus de Abraão. A terra sobre a qual dormiste, eu a dou à tí e a tua descendência. Eu estou contigo e te guardarei em todo o lugar onde fores, e te reconduzirei a esta terra, porque não te abandonarei enquanto não tiver realizado o que prometi”. Este sonho arquetípico nos revela a ajuda que o Self nos dá através de imagens oníricas que intermediam essa jornada de crescimento e integralidade, vencendo em primeira instância as contendas do inconsciente pessoal para depois ir para o coletivo, sua nova etapa, aquela que Deus escolhera para ele. Observe, que Jacó ao acordar deduz assustado: “Na verdade o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!” Teve medo e disse: “Este lugar é terrível!” O local deste encontro Bíblico é sombrio e terrível, como relata Jacó, porém, só aí é a casa de Deus, – o inconsciente, onde o sonho é a porta dos céus! “Portanto, sede vós perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Celeste”. Esta é a proposta de Jesus em Matheus 5:48, uma meta que deve ser aspirada por todos os seres para a sua evolução espiritual, trocando o conceito de bem e mal por algo que lhe convém ou não para a sua evolução. Essa perfeição é fruto de um consenso espiritual entre os seres humanos, a partir da Graça que o “Consolador” nos intermedia.
Agradecimentos
Agradeço, em memória, ao pai Cláudio Alexandrino dos Santos de Ògun, minha iniciação e feitura para Òsàlá no Ketu em 16 de Março de 1989, assim como, ao pai Benedito de Òsàlá, a mãe Menininha de Ògun, minha madrinha; a mãe Xica de Òsàlá, matriarca do Asé, em Edson Passos, na Avenida Nicéia. Especial lembrança em memória, a Meneses de Òsùmàrè, artesão de jóias de prata da Praça General Osório, que me apresentou ao professor Agenor Miranda da Rocha. Ao pai Agenor, em memória, que olhou e confirmou os meus Òrìsà, aconselhando-me a assentar o Caboclo Flexeiro em primeiro lugar… Uma experiência única para um abiã.
À mãe Gisele Bion Crossard, Omindàrewá, por ter com ela realizado uma obrigação três anos após, já que o meu pai já estava adoentado; assim como, ter recebido de Yemanjá, em sua casa, um “cargo” anos depois, na festa das Yabás.
À Zezito da Òsun, patriarca do Ijesá no Rio de Janeiro, abnegado e devocional zelador, dos poucos que representam o Candomblé da Bahia com fidelidade. Quem o conhece, sabe bem o que estou dizendo, um pequeno grande homem, dedicado exclusivamente ao Òrìsà. Aos pais: Alcir de Òsàlá e Nelson da Òsun, “filhos de santo” de Zezito; pelo incentivo dado à minha iniciativa de fazer esta pesquiza. Ao pai Jorge F. Santanna, por ajudar-me através dos seus sábios questionamentos, que além de prestimoso amigo, tem a qualidade rara da dedicação devocional às entidades e, aos Òrìsà. Um exemplo de ser humano a ser seguido. Ao apoio e estímulo que a amiga Conceição da Òsun me deu para a finalização desta obra de pesquisa literária.
À Juana Elbein dos Santos, Descoredes Maximiliano dos Santos, Pierre Verger, Roger Bastide, José Beniste, Júlio Braga, Lydia Cabrera, Zeca Ligiero, Muniz Sodré, Raul Lody, Altair Togun, Reginaldo Prandi, Ney Lopes, Cléo Martins, Adilson de Òsàlá, Maria das Graças de Santana Rodrigué, e a Gisele Crossard, pelos belíssimos trabalhos literários que fizeram, divulgando a cultura religiosa Yorubá, que me serviram de base para a pesquisa e realização deste trabalho.
Ao esclarecedor psicólogo Junguiano, Robert A. Jonson, moderno e profundo conhecedor da alma humana. Ao acervo analítico e terapêutico deixado por C. G. Jung queme levou a expandir o escopo do meu trabalho, e me serviu para avaliar que a nossa cultura ocidental pode estar de certa forma pronta para receber uma segunda visão sobre a tradição religiosa Yorubá, que tanto sentido e luz trouxeram à minha viagem chamada vida.
Introdução
Há sempre a oportunidade de fazermos uma “oferenda” para a qualidade momento que estamos vivenciando.
“O mito Nàgó Yorubá, Igbà-Odù”, é uma Gênese que retrata esse sábio conselho, necessário ao nosso desenvolvimento pessoal e uma antevisão do caminho a ser percorrido”. Juana Elbein dos Santos.
“A religião Nagô Yorubá é rica em contos míticos, fazendo-se necessário lembrar que o mito é uma entidade viva que existe dentro de nós, como um arquétipo ancestral coletivo do nosso inconsciente. Se o imaginarmos como um espiral, girando de baixo para cima, como principio dinâmico de evolução no nosso interior, seremos nós capazes de captar a sua verdadeira forma e sentir como ele está vivo dentro de nós”. J.Elbein
“Quando apresentamos um mito como este, existe para a pessoa que o vivencia, um efeito curativo; devido à sua participação é enquadrado nela um arquétipo de comportamento e, desse modo pode chegar pessoalmente à integralidade. Se esses arquétipos, fatos pré-existentes e pré-formadores da nossa psique forem considerados como simples instintos, como demônios ou deuses, em nada altera o fato de sua presença atuante em nós. Mas fará certamente uma grande diferença, se nós os desvalorizarmos com simples instintos, os reprimindo como demônios, ou os supervalorizarmos como deuses”. Carl G. Jung.
Espero que esse conto mítico produza insights compreensíveis ao meio, – o “povo do santo” do Candomblé, como também a todos que buscam uma integração com o grupo como caminho de individuação e crescimento espiritual.
Os mitos, assim como toda cultura Yorubá religiosa, não foram criados por um indivíduo, são experiências e produtos da imaginação de um povo em todas as suas gerações. À medida que são contados, recontados e vividos, vão agregando novas experiências e aperfeiçoando-se de forma lapidar. Dessa forma, expressam as imagens do inconsciente coletivo de toda uma cultura e descrevem níveis de realidade que exprimem o mundo, sua manifestação exterior, racional e consciente, assim como, os mundos interiores, inconscientes, pouco compreensíveis por nós. Quero crer que sentimentos fortes irão aflorar quando alcançarmos o insight psicológico que os mitos nos trazem. Por serem imagens arcaicas e distanciadas da nossa realidade, à primeira vista, não nos são compreensíveis, porém, irão aflorando à consciência e serão discernidos prazerosamente, ajudando assim a nos integrarmos.
Existem segundo recentes pesquisas, diferentes enfoques e versões sobre a Criação do Mundo no conceito Yorubá. As mais conhecidas são as de Juana Elbein dos Santos, esposa de Mestre Didi; o belíssimo trabalho do Fatumbi, – Pierre Verger, com alguns renomados nomes, como seguidores; o de Ney Lopes, profundo conhecedor e pesquisador da cultura negra e africana; o esclarecedor trabalho de Adilson de Òsàlá, apresentando-o de forma acessível para os menos esclarecidos; o do dedicado e profundo conhecedor, – o pesquisador José Beniste, a quem hoje o Candomblé deve a sua divulgação e profunda pesquisa, e, o mais atual, o de Gisele Omíndarewá Crossard, – AWÔ.
Mãe Gisele, relatou-me que em suas viagens constantes ao continente africano, em suas pesquisas de campo com babalaôs africanos, que Obàtálà criou o mundo com a ajuda de Yeyemowo, sua esposa, e, que o primeiro ser criado por ele chamava-se Lamurudu, fundador da cidade de Ifé. Que, não se dando bem por lá, foi badalar pelo mundo. Nas suas andanças, teve um filho a quem deu o nome de Odùdúwà. Antes de morrer, Lamurudu aconselhou seu filho Odùdúwà a ir até Ìfé, o que ele fez prontamente.
Odùdúwà, em Ifé teve um filho chamado Okambi e esse teve sete filhos, que a partir deles criaram outros reinos no país Yorubá. Disse-me ela, que na Nigéria, as escolas ensinam para as crianças nos livros, que Odùdúwà é o fundador de Ifé e é considerado um ancestral divinizado.
Continuando o seu relato, conta-me ela, que encontrou em Cotonu, cidade africana, uma mocinha feita para Odùdúwà. Disse-me também que ao se aprofundar nos fundamentos Yorubás, mais perplexa ficou evitando por isso construir uma tese como esta, sobre a dualidade masculino-feminina de Obàtálà, na Gênese da Criação, e o Caminho de Volta…
Agradeço a ela o incentivo dado ao ler em primeira mão, via e-mail, este trabalho aqui apresentado, como também, a sua elegância e humildade em considerá-lo. Por que então escolhi a pesquisa de campo de Joana Elbein dos Santos como referência? Para mim, em se tratando de uma Gênese, suponho que nada antes existia de forma manifesta e material, logo, não devo confundir o dedo que aponta para a luz, com a própria luz.
J. Alfredo Bião Oberg
Definições
“Os mitos foram à primeira expressão da eterna busca de compreensão do homem acerca do mundo e de si mesmo. Diferentes da ciência, que busca o “como”, os mitos explicam “porque as coisas são assim”. É, por isso, a forma mais concreta da verdade”.
Alan Watts (escritor e conferencista).
“O mito encarna a abordagem mais próxima da verdade absoluta que pode ser expressa em palavras”.
Ananda Coomacaswamy (1877-1947) Filósofo indiano.
“O mito é o estágio intermediário natural e indispensável entre a cognição inconsciente e a consciente. Compreendi subitamente o que significa viver com um mito e o que significa viver sem ele. Portanto, o homem que pensa que pode viver sem o mito, ou fora dele, é uma exceção. É como uma pessoa desenraizada, sem um verdadeiro vínculo com o passado, com a vida ancestral dentro dela, ou com a vida contemporânea”.
Carl Gustav Jung (Psicanalista).
“Criar um mito, isto é, aventurar-se por traz da realidade dos sentidos com o intuito de encontrar uma realidade superior, é o sinal mais manifesto da grandeza da alma humana e a prova de sua capacidade de infinito crescimento e desenvolvimento”.
Louis Auguste Sabatier (1839 – 1901) Teólogo protestante francês.
“O Mito”
Esta história-mítica (Ìtàn), sobre a criação do mundo encontra-se revelada no livro “Os Nàgó e a Morte”, de Juana Elbein dos Santos e, faz parte do conjunto de textos oraculares de Ifá, segundo ela. Representando um dos duzentos e cinqüenta e seis signos, denominados Odù. Segundo Juana, este Ìtan pertence ao odù-Ifá Òtúrúpòn-Òwónrín, sendo apenas uma versão resumida devido ao tamanho do seu texto e a riqueza de dados.
Tento aqui apenas ilustrar ao leitor a origem, assim como mostrar a beleza dos seus fundamentos que me serviram de base para uma viagem arquetípica com os seus personagens míticos.
Ìtàn ìgbà-ndá àiyé: “Quando Olórun decidiu criar a terra, chamou Obàtálà e entregou-lhe o “saco da existência”, àpò-iwà, e deu-lhe a instrução necessária para a realização da magna tarefa. Obàtálà reuniu todos os òrìsà e preparou-se sem perda de tempo. De saída, encontrou-se com Odùa que lhe disse que só o acompanharia após realizar suas obrigações rituais. Já no òna-òrun, – caminho, Obàtálà passou diante por Èsù, este, grande controlador e transportador de sacrifícios, que domina os caminhos, perguntou-lhe se ele já tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem se deter, Obàtálà respondeu-lhe que não tinha feito nada e seguiu o seu caminho sem dar mais importância à questão. E foi assim que Èsù sentenciou que nada do que ele se propunha empreender seria realizado”.
Com efeito, enquanto Obàtálà seguia seu caminho, começou a ter sede passou perto de um rio, mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede aumentava e era insuportável. De repente, viu diante de sí uma palmeira Igí-òpe e, sem se poder conter, plantou no tronco da arvore o seu cajado ritual, o òpá-sóró, e bebeu a seiva (vinho de palmeira). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio do caminho. Nesse meio tempo, Odùa, que foi consultar Ifá, fazia suas oferendas a Èsù. Seguindo os conselhos dos babaláwos, ela trouxera cinco galinhas, das que tem cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e todos os outros elementos que acompanham o sacrifício. Èsù apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e devolveu a Odùa a cadeia, as aves e o camaleão vivos. Odùa consultou outra vez os babaláwos que lhe indicaram ser necessário, agora, efetuar um ebó, isto é, um sacrifício, aos pés de Olórun, de duzentos ìgbin, – os caracóis que contém “sangue branco”, “a água que apazigua”, – omi-èrò.
Quando Odùa levou o cesto com os ìgbin, Òlórun aborreceu-se vendo que Odùa ainda não tinha partido com os outros. Odùa não perdeu a sua calma e explicou que estava obedecendo à ordem de Ifá.
Foi assim que Òlórun decidiu aceitar a oferenda, e ao abrir o seu Àpére-odù – espécie de grande almofada onde geralmente Ele está sentado, para colocar a água dos ìgbin, viu, com surpresa, que não havia colocado no àpò-Ìwà – bolsa da existência – entregue a Obàtálà, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou a terra nas mãos de Odùa, para que ela por sua vez a remetesse a Obàtálà.
Odùa partiu para alcançar Obàtálà. Ela o encontrou inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos os Òrìsà que não sabiam que fazer. Depois de tentar em vão acordá-lo, ela apanhou o àpò-Ìwà que estava no chão e voltou para entregá-lo a Olórun. Este decidiu, então, encarregar Odùa da criação da Terra. Na volta de Odùa, Obàtálà ainda dormia; ela reuniu todos Orìsà e, explicou-lhes o que fora delegado por Olórun e eles, dirigiram-se todos juntos para o Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Òlórun para a criação da terra. Èsù, Ògún, Òsóòsi e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ògún ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà – aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-Òrun-oún-Àiyé, o pilar que une o òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùa deslizou até o lugar indicado por cima das águas. Ela lançou a terra e enviou Eyelé, a pomba, para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùa enviou as cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espalharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo. Odùa quis saber se a terra estava firme. Enviou o camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro a pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sob suas as patas.
Ole? Kole? Ela esta firme? Ela não está firme?
Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odùa tentou por sua vez. Odùa foi a primeira entidade a pisar na terra, marcando-a com sua primeira pegada. Essa marca é chamada esè ntaiyé Odùdúwà.
Atrás de Odùa, vieram todos os outros Òrìsà colocando-se sob sua autoridade. Começaram a instalar-se. Todos os dias Òrúnmìlà – patrão do oráculo consultava Ifá para Odùa. Nesse meio tempo Obàtálà acordou e vendo-se só sem o àpó-ìwà, retornou a Òlórun, lamentando-se de ter sido despojado do àpò.
Òlórun tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres que iriam povoar a terra.
A narração diz textualmente:
“Isé àjùlo yé nni ìseda, ti ó fi móo seda àwon ènìyàn àti orísirísi ohun gbogbo tí ó ó móó òde àiyé òun àti igi gbogbo, ìtàkùn, koriko, eranko, eie, eja, ati àwon ènìyàn”.
“Os trabalhos transcendentais de criação permitir-lhe-iam criar todos os seres humanos e as múltiplas variedades de espécies que povoariam os espaços do mundo: todas as árvores, plantas, ervas, animais, aves, pássaros, peixes, e todos os tipos de humanos”.
Foi assim que Obàtálà aprendeu e foi delegado para executar esses importantes trabalhos. Então, ele se preparou para chegar a terra. Reuniu os Òrìsà que esperavam por ele, Olúfón, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin, Ògìyán e o resto dos Òrìsà-funfun.
No dia em que estavam para chegar, Òrúnmìlà, que estava consultando Ifá para Odùa, anunciou-lhe o acontecimento. Obàtálà, ele mesmo, e seu séquito vinham dos espaços do Òrún. Òrúnmìlà, fez com que Odùa soubesse que se ela quizesse que a terra fosse firmemente estabelecida e que a existência se desenvolvesse e crescesse como ela havia projetado, ela devia receber Obàtálà com reverência e todos deveriam considerá-lo como seu pai.
No dia de sua chegada, Òrìsànlá, foi recebido e saudado com grande respeito:
1. Oba-áláá o kú àbòò!
2. Oba nlá mò wá déé oo!
3. O kú ìrìn!
4. Erú wáá dájì.
5. Erú wáá dájì
6. Olówó àiyé wònyé òò.
1. Oba-áláá, seja bem-vindo!
2. Oba nlá (o grande rei) acaba de chegar!
3. Saudações por ocasião da viagem que acaba de fazer!
4. Os escravos vieram servir seu mestre.
5. Os escravos vieram servir seu mestre.
6. Oh! Senhor dos habitantes do mundo!
Odùa e Obàtálà ficaram sentados face a face, até o momento em que Obàtálà decidiu que iria instalar-se com sua gente e ocupariam um lugar chamado Ìdítàa. Construíram uma cidade e rodearam-na de vigias. Segue-se um longo texto, segundo o qual os dois grupos se interrogavam a fim de saber quem realmente devia reinar. Se Obàtálà é poderoso, Odùdúwà chegou primeiro e criou a terra sobre as águas, onde todos moram. Mas também foi Obàtálà quem criou as espécies e todos os seres. Os grupos não chegavam a um acordo e as divergências e atritos se fizeram cada vez mais sérios até terminar em escaramuças.
As opiniões não eram constantes e os partidários de um ou de outro tanto aumentavam ou diminuíam de acordo com o que parecia ser mais poderoso, até que explodiu uma verdadeira guerra, colocando em perigo toda a criação. Òrúnmìlà interveio e um novo Odù, Ìwoòrì-Ògbèrè, trouxe a solução. Esse signo apareceu no dia em que Òrúnmìlà consultou Ifá a fim de que solucionasse a luta entre Òrìsànlá e Odùa. Òrúnmìlà usou de toda sua sabedoria para fazer Odùa e Obàtálà virem a Oropo, onde conseguiu sentá-los face a face, assinalando a importância da tarefa de cada um deles; reconfortou Obàtálà, dizendo que ele era o mais velho, que Odùa havia criado a terra em seu lugar e que ele tinha vindo para ajudar e para consolidar a criação e não era justo que ele botasse tudo a perder. Depois, convenceu Odùa a ser amável com Obàtálà: não tinha sido ela quem havia criado a terra? Por acaso Obàtálà não tinha vindo do Òrún para que convivessem juntos? Por acaso, todas as criaturas, árvores, animais e seres humanos não sabiam que a terra lhe pertencia?
Inú Odùaà ó ro,
Inú Orixalá naa a si rôo.
Odùa apazigou-se, Obàtálà também se apazigou.
Foi assim que ele fez Odùa sentar-se à sua esquerda e Obàtálà à sua direita e colocando-se no centro, realizou os sacrifícios prescritos para selar o acordo. É a partir desse acontecimento, que celebram anualmente os sacrifícios e o festival com repasto (ododún sise), que reúne os dois grupos que cultuam Odùdúwà e Obàtálà, revivendo e ritualizando a relação harmoniosa entre o poder feminino e o poder masculino, entre o àiyé e o Òrún, o que permitirá a sobrevivência do universo e a continuação da existência nos dois níveis.
“O feminino e o masculino complementando-se para poder conter os elementos-signo que permitem a procriação e a continuidade da existência”.
Juana Elbein dos Santos
Primeiro Capítulo
A Criação
Nosso Ìtàn àtowódówó,“conto dos tempos imemoriais”, começa como todos os outros: Era uma vez um reino… E, como sempre, existe um reino que é o início de tudo.Em termos práticos, esse reino significa a nossa vida interior, pois nesse Ìtán se expressa um conhecimento imediato da nossa alma, por assim dizer, um conhecimento “que ela trouxe consigo”, pois é o mais velho do mundo, simbólico, uma parábola para o caminho do ser humano no reino interior, que não é desse mundo…Como sempre, nesse reino há um rei, aqui chamado Olódùmaré, conhecido como Àjàlórún e Òlórun, “Senhor ou Rei do Òrún, o Aláàbálàxe -” Senhor que tem o poder de sugerir e realizar; “a Força Vital e o Universo; ou seja, é um Obá arinún-róòde, -” Senhor que concentra em si mesmo tudo o que é interior e exterior, tudo o que é oculto e o que é manifesto”. Assim, Òlórun criou Obàtálà, Odùdúwà, Ifá e Làtópà; criando assim, o principio masculino – criativo e o principio feminino – receptivo, o princípio do conhecimento e sabedoria e o princípio dinâmico.
Vivia Ele, na companhia de muitos filhos, estes, por um lado, expressavam as suas manifestações, seus atributos e obedeciam a uma hierarquia de funções. Dividiam-se à princípio, em dois grupos principais: Òrìsà e Èbora.
O filho que ocupa a mais alta função hierárquica neste panteão é Adjàgunalé ou Òrúnmìlà, como é mais conhecido; outro funfun que é originário da fusão de duas energias femininas, Toró e Gegé, – o Sacerdote do Reino, o Gbáiyé-gbórun, aquele que vive tanto no Céu como na Terra, aquele que representa a sabedoria expressa do pai Olòdùmaré, é o princípio do conhecimento expresso; é o Elérùípín – testemunha do destino, ou Alàtùúnxe Àiyé, – aquele que coloca o mundo em ordem. Seu nome significa: “o Céu conhece a salvação”.
É quem estabelece os desígnios através do oráculo chamado Ifá, depositário do princípio de conhecimento e sabedoria de Òlórun, sistema que nos deixou como legado através dos tempos.
O princípio no qual se baseia o sistema Ifá, com o seu opèlé ou o èrindilogum, chamado “jogo de búzios”, o qual se encontra aparentemente em profunda contradição com a concepção do mundo ocidental, científica e tecnológica. Apesar de ser arcaico, tem um sistema binário, onde seus 16 Omo-Odù consultam-se com os 16 Odù principais, totalizando assim, 256 combinações; igual ao conceito do computador de hoje. Em outras palavras, arrisco dizer, proibido, uma vez que é incompreensível e, foge ao nosso juízo racional. O sistema Ifá não se baseia no princípio da casualidade, e sim, num princípio que Carl Gustav Jung denominou de “princípio de sincronicidade”; pois existem manifestações paralelas e comuns entre si que não se relacionam absolutamente de modo caus al. Tal conexão baseia-se essencialmente na simultaneidade de eventos. Ou seja, tudo o que acontece no Àiyé simultaneamente ocorre no Òrún, pois é lá a matriz espiritual do que se manifesta aqui. Longe de ser uma abstração, o tempo apresenta-se como continuidade concreta, contendo qualidades e condições básicas que se manifestam em locais diferentes com simultaneidade, num paralelismo que não se explica de forma causal. Sendo assim apresentado no conceito Yorubá de “doblê”, – o “assim na terra como no céu”, ocidental e cristão.
Se considerarmos a existência dos diagnósticos do oráculo Ifá corretos, estes sem dúvida, não se baseiam nas influências dos Odù, mas, nas hipotéticas qualidades-momento do tempo, que os representa. Ou seja, “o que nasce ou é criado num dado momento, adquire as qualidades deste momento”. Carl G.Jung.
Esta é a fórmula básica do oráculo Ifá, através de Òrúnmìlá, ou, o èríndilogum, onde o patrono é Èsù.
Èsù leva como mensageiro para Òrúnmìlá o problema, e, Òsun revela-o, através do quadro de Odù a solução, ao manifestá-lo na “caída” dos búzios. Sabe-se que o conhecimento do Odù é o que reproduz a qualidade do momento e, que é obtido através da manipulação puramente causal do opelé ou dos búzios. Os búzios caem conforme se apresenta à “qualidade-momento doblé”. A qualidade oculta do momento é expressa e revelada através do signo símbolo do Odù Ifá, tornando-se então legível através do seu Ìtán, – estória arquetípica, que nos mostra o caminho e a solução, através da sua mensagem metafórica e, do ritual propiciatório, – ebo.
O nascimento de uma situação corresponde à configuração dos búzios caídos, o signo-símbolo-odù e, a qualidade-momento ao ìtàn, – conto mítico que o apresenta como um caminho indicado pelo Odù Ifá. Esse legado oracular que hoje em dia é usado pelas tradicionais casas, é denominado “Sistema Bámgbósé”.
Todavia, essa sabedoria fica imobilizada sem o “princípio dinâmico” – Èsù, o filho mais irreverente e poderoso do panteão africano, pois nada pode existir sem a sua participação e colaboração, o que é óbvio. Além disso, para nós ocidentais, tão racionalistas, é necessário ter fé para aceitar os desígnios de um oráculo, ou de um sonho com uma mensagem arquetípica.
Para elucidar melhor o conceito de sincronicidade acima descrito, darei como exemplo a estória que Shree Braghavan Rascheneesh – Osho, nos relata em um dos seus livros.
“Havia um rabino chamado Eisik filho do rabino Yekel, da cidade de Cracóvia”.
Assim começa o relato:
O rabino Eisik era um homem muito pobre e, há três dias, estava tendo um sonho que relatava para ele haver na cidade de Praga, um tesouro enterrado embaixo de uma ponte que liga a cidade ao castelo do rei. Eisik resolveu então viajar durante três dias e três noites até a referida capital. Lá chegando, descobriu que a ponte que dava acesso ao castelo era bem guardada pelos guardas do rei. Dia e noite, estava ele rondando a ponte para ver a possibilidade de descer até as suas bases e cavar. Seis dias se passaram, no sétimo, foi repentinamente abordado pelo capitão da guarda local, que já o observava há dias. O capitão, dirigindo-se a ele gentilmente, perguntou-lhe se esperava alguém ou se procurava alguma coisa ali, naquele lugar.
Eisik contou-lhe o sonho que tivera há seis dias. O capitão riu-se dele, dizendo: amigo, você ainda acredita em sonhos, a ponto de gastar os seus sapatos e ter que viajar uma distância tão longa, só para ver se o seu sonho é verdadeiro? Imagine, pois eu tive a mesma experiência que você, há seis dias. Sonhei que havia um tesouro enterrado em baixo de um fogão na casa de um rabino chamado Eisik, filho de Yekel da cidade de Cracóvia. Agora, observe bem, disse sorrindo, se eu acreditasse em sonhos, teria que ir até Cracóvia, onde a metade dos judeus chama-se Eisik e a outra metade Yekel.
O rabino Eisik ao ouvir o capitão da guarda, agradeceu fazendo uma reverência, saindo de volta à sua casa na cidade de Cracóvia.
Três dias depois, cansado da viagem, cavou em baixo do seu fogão e achou então o seu tesouro enterrado. Construiu então uma bela casa de orações com o nome: “O Shul do rabino Eisik”.
Ambos tiveram o mesmo sonho arquetípico, porém um só acreditou e partiu para a sua realização. O presságio foi o mesmo, a diferença quem fez foi à fé. O mesmo se dá quando um quadro de Odù se configura numa caída e um ebo é estabelecido; precisamos agir sem demora, doravante.
Bem, voltando ao nosso Ìtán: Diz o mito Yorubá, que Òlórun não estava satisfeito com tanta perfeição à sua volta, tudo era eterno no seu mundo inconsciente e, com isso, a ociosidade era reinante. Algo precisava ser feito urgentemente para reverter esse quadro. Foi quando teve uma grande idéia, que seria sem dúvida alguma, o fim daquela situação. Cogitou então, criar um mundo diferente do seu, mas, que fosse também uma extensão deste. Seria habitado por seres mortais, passíveis de erros e com níveis de discernimento diferentes. Iria criar um mundo consciente, manifesto e cíclico, – algo bem dinâmico!
Convoca Òlórun, para esclarecer detalhes e estabelecer critérios, os Òrìsà e Èbora no seu projeto, pois, cada um deles possuía uma característica sua, assim como, um atributo e um princípio seu.
Segundo o conto mítico, Òlórun escolheu então Obàtálà, seu filho mais velho, que significa: “o rei da pureza ética”, que reunia seu princípio ativo-masculino e criativo, assim como, o princípio passivo-feminino Odùdúwà, sua contraparte e “irmão”. Possuía, ele, Obàtálà, uma natureza andrógina por excelência, pois continha essa “fusão” do estado primordial. Reservou-lhe então Òlórun, por suas qualidades intrínsecas, a grande missão de criar um mundo manifesto e consciente, assim como, comandar todos os outros Òrìsà nesta importante empreitada.
Observem que doravante nem sempre tudo caminhará às mil maravilhas, é compreensível; especialmente se nós considerarmos a ancestralidade dos responsáveis por essa missão e que os problemas que fundamentaram essa Criação já estavam nos planos de Òlórun: a idéia de “livre arbítrio” e “estágios de evolução espiritual”.
Os Òrìsà possuem uma hierarquia maior que os Èbora, por serem princípios comuns a toda existência, o princípio criativo-masculino e, o princípio receptivo-feminino que, em maior ou menor grau, estão presentes em toda manifestação. São denominados “Òrìsà funfum”, por serem ligados ao branco e, nossos “pais celestiais”, pois personificam o estado original: masculino e feminino, no âmbito celeste, ou seja, no mundo das idéias e sentimentos; são, pois, a expressão de dois princípios primordiais, que se tornam unos quando justapostos.
Devo esclarecer que aqui, a justaposição, tem a ver com integralidade e totalidade, não com perfeição conceitual. Já os Èbora são os atributos presentes em toda manifestação, envolvendo assim, a qualidade da energia, a personalidade e o tipo físico. São os nossos “pais terrenos”. Ficando entendido, serem ambos considerados os nossos “genitores míticos”e terrenos.
Obàtálà, o mais velho, reunia em si todos os princípios necessários à missão de criar um mundo dinâmico chamado Aiyé e habitá-lo. Tinha ele a capacidade de “tornar visível” o conteúdo do mundo interior, dando-lhe forma, plasmando-o. Além de possuir os princípios masculino-criativo e feminino-receptivo, possuía também o Iwà, princípio de existência genérica, o Àse, princípio de realização, e o Àbá, princípio que induz um sentido, um objetivo e uma direção. Ele, Obàtálà, é a qualidade da configuração energética que antecede o contexto dinâmico de cada situação. O contexto dinâmico provém de Èsù, e sua configuração e manifestação, de Odùdúwà. Um, idealiza, o outro germina e, o outro cria.
Faltava a ele, entretanto, para concretizar a sua importante missão, considerar o princípio mais importante para que a Criação pudesse se tornar possível: Èsù Latopá, – o elemento catalisador, que mobiliza, desenvolve, transforma, comunica, faz crescer e coloca todos os outros princípios manifestos em ação; sendo gerador de Èsù Sigidi, Èsù Baràbó e Èsù Yangi – protomatéria do Universo, responsável por todos os outros Èsù provenientes do “Big-Bang”. Por estar correlacionados, virem de uma mesma origem, e, a partir da explosão, separados; continuam correlacionados entre si nas “nove moradas,” – como princípio dinâmico do Universo.
Òlórun, seu pai, reúne-os, e passa para ele Obàtálà, o àpò-Ìwà, “saco da existência”, que continha o material mítico e simbólico, necessário para a criação do Àiyé, a Terra e, dos Àra-aiyé; ou seja: de seus habitantes.
Nas suas precisas instruções, observou ao seu filho Obàtálà, serem necessários certos preceitos para a realização da grande missão; sendo o primeiro deles, a proibição de beber da seiva da palmeira do dendezeiro Iguí-òpe, chamado “vinho de palma”, que é o elemento-atributo e genitor da própria constituição de Obàtálà, que representa o “sangue branco” vegetal.
Veremos mais tarde, o porquê dessa proibição e suas conseqüências, quando não observada com a devida consideração. A segunda instrução é Obàtálà buscar os fundamentos necessários à Criação com Òrúnmìlá, o sacerdote, que detém o princípio do conhecimento, pois ele representa a “Vontade do Pai”, revelada através do sistema Ìfá.
Logo após as recomendações do seu Pai, Obàtálà foi à procura de Òrúnmìlà Bàbá Ifá para saber os desígnios da sua missão, mas, ao passar por Odùdúwà, seu “irmão”, não lhe deu a menor atenção, ignorando-o. Ele sentindo a sua indiferença, avisou a Obàtalà que só o acompanharia após ele realizar suas obrigações rituais a Èsù, conforme o que o oráculo Ifá estabelecesse.
Aqui, Obàtálà ao tomar consciência de sua importância e da sua importante missão, de forma unilateral, torna-se soberbo e vaidoso. Sua avaliação agora é apenas intelectual, desconsiderando a sua contraparte feminina, sentimental e emocional, – Odùdúwà, sua anima.
Precisamos saber que, em Obàtálà, sua contraparte, sua alma, precisa ele de um momento de consideração, reconhecimento, recolhimento e avaliação interna, isto é, contatando-se internamente, verificando os seus verdadeiros desejos, e sentimentos. Ou seja, Obàtálà precisava naquele momento resgatar a sua polaridade feminina, tão importante para que a sua missão desse certo. Assim, perderia a angústia de estar separado de si mesmo, tornando-se silencioso, meditativo, consciente do seu rico interior e aberto à vida. Odùdúwà, personifica o que ele não admite, não reconhece e que, no entanto, sempre se impõe a ele, direta ou indiretamente. É a sua personalidade oculta que tem um valor afetivo negativo em virtude dele se contrapor com seu ego aflorado e inflacionado. É agora, aquilo que ele recusa reconhecer nele por ser seu oposto, incompatível com as suas ambições egóticas. Obàtálà não sabe que quanto menos ele a incorporar à sua vida, negando-a, mais escura e densa ela será. Assim, se tornará uma trava inconsciente que frustra seus objetivos e intensões. Nessa aparente dicotomia dos dois eus, a ocorrência se dá porque Obàtálà não toma conhecimento do outro de forma consciente, chegando mesmo a negar a sua importante existência.
Obàtálà é inteiramente Criativo, enquanto o rumo do destino natural se encaminha para sua meia-noite, as suas forças ativas e criativas insistem em permanecer despertas, entretanto. A luta com Odùdúwà representa o destino de mutações inevitáveis, e o ego de Obàtálà tende a permanecer “vivo e definido” apesar das circunstâncias… Segundo Carl Gustav Jung: “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro”.
Depois de muito tempo destinado aos preparativos da consulta ao oráculo Ifá, Òrúnmìlá abre a “mesa de jogo” com o signo Odù-Ifá responsável pela qualidade-momento daquela missão, – Éjì Ogbè, o Odù da vida, que simboliza o princípio masculino, rege o sol, o dia e a abóbada celeste. Foi aquele que recebeu a incumbência de administrar uma parte do Universo, o Oriente. É responsável pelo movimento de rotação da Terra. Ele controla os rios, as chuvas e os mares, a cabeça humana e as dos animais, o pássaro Iekèleké consagrado a Òsàálá, o elefante, o cão, a árvore Irôko e as montanhas. A Terra e o Mar pertencem a este signo; assim como todas as coisas brancas pertencem a ele. Rege o sistema respiratório e tem também, sob suas ordens, a coluna vertebral, todos os vasos sangüineos, apezar do sangue pertencer a Osá Mejì.
Para que tudo desse certo, segundo o oráculo Ifá, Obàtálà deveria fazer um sacrifício-oferenda a Èsù Elègbára, o princípio dinâmico que faltava e que era necessário à missão da Gênese.
Tudo parecia favorável, caso o consulente Obàtálà tivesse considerado a recomendação do sacerdote, fazendo a oferenda recomendada a Èsù Elègbára, “Senhor do Poder do Corpo”, filho de Òrúnmìlà e Yebìru e, companheiro inseparável de Ògún.
Ao ouvir a recomendação do seu sacerdote, Obàtálà ficou indignado! Ter que fazer oferendas sagradas para Èsù era para ele uma humilhação. Não via a menor necessidade de fazer os sacrifícios propiciatórios recomendados para que a sua missão tivesse êxito. Era como se tivesse que renunciar aos seus poderes e direitos, e agora, tivesse de reconhecer os dele.
Ora, Èsù é o princípio da existência diferenciada, em conseqüência de sua função de elemento dinâmico e catalisador, que o leva a propulsionar, desenvolver, mobilizar, crescer, transformar e comunicar; tudo o que era necessário à Criação de um mundo manifesto e cíclico, segundo a “Vontade de Òlórun”.
De acordo com o mito, Òrúnmìlà ou Adjàgunalé, seu conselheiro, o advertiu dizendo que o oráculo não se equivocava e, que cabia agora a ele, Obàtálà, cumprir o veredicto, ou manter a postura precipitada que tinha tomado, arcando naturalmente com as conseqüências… Ou Obàtálà serve a Olórun, seu Self ou a seu ego, o gerador da crise. Ora, sabemos que o ritual é nosso instrumento para fazer uma síntese das polaridades da realidade humana. É a arte que consegue unir nossas duas metades. O espiritual precisa ser unido à nossa natureza terrena mítica e ancestral. O espírito masculino que está tão abstraído na teoria precisa ser ancorado na feminina alma terrena, para poder se manifestar e tornar sagrado o que é sagrado. Quem poderia imaginar que Obàtálà fosse ficar “inflado” e “cheio de si”, a ponto de não considerar a sua alma e contraparte Odùduwà, e não querer fazer as oferendas propiciatórias e sagradas a Èsù?
Sabemos agora, de antemão, que Obàtálà criou dois problemas antes de partir: primeiro, o de não ter levado em consideração a sua alma a participar da sua missão numa posição de destaque, considerando-a sagrada e especial, para fazer germinar o seu poder criativo masculino. Como conseqüência, foi seduzido pela carência dela, pois ficou mal-humorado, sentindo-se desprestigiado ao ter que considerar Èsù. Em segundo lugar, isolou o ego em relação ao inconsciente ao não considerá-lo, pois, em cada ser, masculino ou feminino, este princípio dinâmico está presente, e sua função é de atuar como um “psicopompo”, – aquele que guia o ego ao mundo interior, e que serve de mensageiro e mediador entre o inconsciente e o ego. Deveria saber, que
Qualquer elemento seu interior, deve ser reconhecido, honrado e vivenciado em um nível apropriado. Sentia-se supervalorizado com a escolha feita por seu Pai entre os demais, o que já é uma “possessão” psicológica perigosa. Quando agimos com um único lado da nossa polaridade, enveredamos pelo caminho errado.
Para gerarmos um ato criativo psicologicamente saudável e produtivo temos que solicitar a aprovação dos opostos. A cabeça precisa do consentimento do coração, o ego do Self, o espiritual do físico, a anima do animus. Atos desequilibrados trazem sempre desastre em seu rastro.
Como Obàtálà trocou o amor em servir pelo poder, devido ao seu Eu interior ainda imaturo, sofre o efeito desse ego dominador, por atribuir-se méritos que não possui ainda, acreditando ser credor de todas as benesses que lhe foram concedidas, anelando sempre por mais poder e recursos que não o plenificam…
Temos sempre que enfrentar problemas como este, focalizando a nossa energia psicológica através de um ritual, um trabalho interior ritualizado. Como não conhecemos o problema, ainda conscientemente, precisamos personificá-lo no símbolo materialmente, trazendo à mente as imagens e conversando com elas com seriedade.
Personificar o problema é, através do ritual da consulta ao oráculo, procurar no Odù com o seu signo, o ìtan, e, o seu caminho – esè, que vai representá-lo no símbolo; procurando saber quem são, e o que querem, deixando fluir os sentimentos ao conversar com essas personalidades interiores. Depois, faça o ritual de oferenda: Ofereça um sacrifício à causa do problema, à pretensão, à depressão, ou a qualquer ideal. Isso, ritualmente, é o que Obàtálà deveria ter feito: “Despachar Èsù”. Isto é, dar atendimento prioritário e consciente ao ideal imaginado e desejado, através de um ritual físico e propiciatório, representado fisicamente no símbolo.
A batalha travada com a sombra, portanto, é contínua… Quando se ama, se respeita e se atende aos compromissos em servir, a sombra perde a oportunidade de interferir, mas quando se reage, mantendo o ego aflorado egoisticamente… a sombra triunfa.
Em Josué 6, um texto bíblico do Antigo Testamento, esta experiência está explicita, quando Jhavé orienta ao fiel Josué a fazer um ritual sistemático, durante sete dias, para que as muralhas de Jericó viessem a ruir e, ela ser tomada de assalto.
Só, que dentro dessa muralha havia uma prostituta de nome Raabe que não poderia ser morta, pois ajudara aos mensageiros de Josué. Como podemos ver, Deus nos recomenda dar voltas em torno do problema, consultar nossas personalidades interiores pedindo sua ajuda, sem preconceitos morais, até aparecer uma solução, ao invés de ficarmos dando voltas em torno de Deus porque temos um problema…
Obàtálà é “o andrógeno dos tempos imemoriais”. Podemos assim definir esse ser a partir da criação dos seres. Como um símbolo da energia psíquico-primitiva e indiferenciada, tão logo essa energia assume uma identidade egótica e começa a criar o seu próprio mundo.
Odùdúwà é princípio feminino, mas, Obàtálà, logo se volta contra o seu “irmão” e, arrogantemente declara a sua independência em relação ao mistério inconsciente do qual ele surgiu. É agora um “ego alienado”, definido pelo seu próprio sentido de identidade. Essa entidade psíquica afasta-se da sabedoria de Odùdúwà, que representa a sua alma contida no inconsciente, e, se declara criador e regente por direito, de forma unilateral. Ela é o seu pólo oposto, um princípio receptivo, é a disposição de se deixar conduzir, de esperar o momento certo, a forma adequada para poder reagir ao impulso do seu “irmão” Obàtálà. Com ela, as coisas possuem uma forma e um espaço para acontecerem.
Ela é a voz interior de Obàtálà que dá a forma digna de confiança: quando, onde, e como ele deve agir. Ela não separa nem avalia, que nem seu “irmão” Obàtálà, porém sabe que só com a união dos dois, resulta no todo, que é a “Vontade do Pai” revelada.
Sabemos, entretanto, que Obàtálà não teve a menor consideração com esse importantíssimo detalhe…
Um psicólogo junguiano chamado Edward Edinger descreve assim esse fenômeno: “Todo tipo de motivação, de poder, é sintoma de inflação. Sempre que alguém age movido pelo poder, a onipotência está implícita; mas a onipotência é um atributo apenas de Deus”. A rigidez intelectual que tenta equacionar sua própria verdade ou opinião com a verdade universal, também é inflação. É a presunção de onisciência…
“Todo desejo que dê à sua própria satisfação, um valor central que transcende os limites da realidade do ego e, em conseqüência, assume os atributos dos poderes transpessoais”.
Obàtálà não desejava partilhar com ninguém esse direito e essa escolha, reduzindo-se ao não se integrar à sua contraparte Odùdúwá, através de Èsù. Com isso, perde a sua unidade original encontrando em si só unilateralidade, em vez de clareza. Sem saber, mata a sua última oportunidade de realização; pois ao lutar contra Èsù, que aqui representa o seu instinto de preservação e mobilização acaba transportando uma quantidade maior dessa energia para si próprio, como ego.
Deveria saber que esse ego tem que estar a serviço do seu Pai, seu Eu Superior – Olódùmaré, e que não devia reprimir Èsù, pois, assim ele se tornará agressivo e descontrolado, passando agora a ser sua “sombra”, – por ser o lado negado e negligenciado.
Ao desconsiderar sua alma Odùdúwà, Obàtálà usou apenas o intelecto, pois, pensou sobre a importância que passara a ter, fez uma apreciação intelectual a respeito, não considerando a falta de um sentido de julgamento, não sendo então conferido por ele Obàtálà, um valor real. Com isso, não houve um envolvimento total em si.
Sabe-se, que o ato de pensar é bem diferente do de sentir, que é dar valor a um sentimento. Não soube manter um relacionamento satisfatório com sua alma, Odùdúwà, com os seus sentimentos; tanto que, segundo o conto mítico, Odùdúwà queixa-se com o seu pai Olódùmaré por não ter dado a ele uma participação honrosa na presente missão. Acredito que tenha sido proposital, pois aquele que não consegue harmonizar os dois polos em uma totalidade, invariavelmente faz-se vítima das expressões desorganizadas do sentimento, induzindo o ego às emoções fortes e descontroladas.
Caso Obàtálà tivesse feito a oferenda a Èsù, teria usado esse poder masculino para abrir caminho no mundo adulto, tornando-se vitorioso, fazendo-o forte o suficiente para não ser vencido pela ira e pela arrogância. Agora, tudo o que Obàtálà deixou acontecer interiormente, acontecerá exteriormente, em contrapartida a essa sua atitude de carência e arrogância.
O que o mito nos mostra é que, tanto a genialidade quanto a criatividade, são manifestações da sua alma, Odùdúwà, que lhe dá a capacidade de “dar a luz”. A sua masculinidade permitir-lhe-á propiciar apenas a forma ao que faz nascer de si, no mundo exterior e manifesto.
Obstinado, Obàtálà resolveu assim mesmo, preparar a comitiva de Òrìsà-funfum para essa jornada; como se fosse um jovem que descobre e impõe a sua masculinidade a qualquer preço.
Orùnmílà já sabia o que iria acontecer, pois conhecia o poder do seu filho Èsù Elégbàra, assim como, sabia que não podia intervir naquilo que Olódùmàré, seu pai, chamava de “livre arbítrio” e “estágios de evolução”.
Segundo o nosso ìtàn, Obàtálà “salvou o jogo”, isto é: retribuiu com um pagamento o que recebera como aviso e presságio para a realização da sua missão, sem dar consideração alguma às recomendações recebidas, saindo imediatamente para preparar e reunir a sua comitiva, pois tinha ele muitas tarefas para cuidar…
O caminho, Òna-Òrún, era longo, árido e desconhecido dele, como não podia deixar de ser, o sol era inclemente… O Odù Éjì Ogbè tem o sol como regente principal, logo, sabe-se o que se podia esperar…
Os Òrìsà não estão acostumados ao sol e ao calor, e tinham no seu comando, o teimoso Obàtálà, que os liderava com todo o afã. Todos, já não agüentavam com tanto sol, calor e sede e, já pensavam em desistir em virtude de tanto sofrimento e desconforto.
Èsù, enquanto isso, já tramava uma retaliação, pois o momento se apresentava o mais propício possível para pôr em prática o plano que bolara com Odùdúwà.
Pegou o seu cajado chamado ogó, que tinha o poder de bi-locação, e colocou-o a girar acima da sua cabeça, com a finalidade de colocar-se à frente da comitiva de Obàtálà. Isso foi logo realizado, para que no passo seguinte, fosse criar uma frondosa palmeira chamada Igí-òpe, uma qualidade de dendezeiro bem frondoso e bonito.
A estratégia de Èsù era chamar a atenção de Obàtálà de que havia um oásis, e, como conseqüência natural, a água estaria presente para matar a sede dos Òrìsà-fumfum.
Dito e feito, logo Obàtálà o avistou e, tratou de correr com o grupo naquela direção. Só que ao chegar ao local, percebeu que estava enganado, pois não havia o menor indício de água naquele lugar, tudo não passara de uma projeção sua, uma “miragem”, já que estava obstinado e desesperado de sede.
Irado e frustrado, não pensou duas vezes, cravou o seu cajado, opàòsùn, com toda a sua força no tronco da palmeira, quando aí percebeu que logo correu um líquido incolor pelo furo que fizera. Pegou a sua cabaça, e começou a aparar o precioso e oportuno líquido, tratando de beber até aplacar a sua sede. Acabara de cometer o segundo desatino, que tanto seu Pai recomendara evitar.
Sabe-se que esse líquido tem grande poder alcoólico e efeito imediato. É uma bebida chamada emù, um vinho de palma muito forte, que fora proibido por seu Pai de ser ingerido como recomendação, antes de iniciar a jornada, pois representa um atributo da sua própria constituição, ou seja, estava proibido de “beber de si”, ficar “ensimesmado”, ou cheio de si.
Obàtálà estava agora “embriagado” completamente e, impossibilitado de prosseguir viagem, inviabilizando assim, a sua missão.
Tentou, mas foi logo vencido por aquela “embriaguês”, deitando-se em total abandono e sono profundo. Todos, no começo, tentaram em vão acordá-lo, mas a “carraspana” foi daquelas…
Logo, os seus seguidores começaram a regressar, deixando-o só e caído. Ao seu lado, o precioso “saco da existência” jazia caído e abandonado.
Odùdúwà vendo àquela cena ridícula que ele e Èsù provocaram, aproveitou para pegar o “saco da existência” e retornar ao Òrún. Estavam agora vingados da desconsideração infligida por Obàtálà.
Note-se, que há muito que se aprender com o Igí-òpe, “árvore do conhecimento”, símbolo da Gênese Nagô Yorubá: Na busca de realização e, vivenciando uma experiência nova, Obàtálà prova algo da sua natureza ingênua no seu íntimo, sendo seu processo de conscientização e, caminho de encontro consigo mesmo, depois da sua “queda”. Ao ser, no entanto impossibilitado por ele, cai embriagado; como conseqüência, – conscientizou-se a partir daí.
Quebrou a unidade primordial da sua inconsciência original. Como Adão, no Jardim do Éden, aprendeu a se ver como unidade distinta dos demais, e do mundo à sua volta.
Agora, aprenderá a dividir o mundo em categorias e a classificá-lo. Dessa forma, chegou a um sentido de si próprio como indivíduo desgarrado do rebanho.
Mas, ao ter provado do emù, saciado a sua sede e provado o seu sabor, jamais esquecerá essa experiência, que mais tarde será a sua redenção; mas, que a princípio causou-lhe um impedimento e uma humilhação. O primeiro lampejo ao acordar, será uma tomada de consciência sob forma de “queda” e de perda. Mas, se assim não fosse, como conseguiria ter consciência?
A viagem desse nosso herói, é o padrão arquetípico de um proceder que foi tecido e engendrado com essas imagens primordiais e, que foi herdado por nós.
Interessante é notar que Obàtálà não começa como um ser dotado de toda a sabedoria, porém, ele amadurecerá e tomará na sua volta uma postura simples e modesta, entretanto sábia. É o processo de crescimento e conscientização.
A princípio é um tolo ingênuo, que tenta o novo sem considerações, pois tem como objetivo a alegria de viver, de juntar experiências… Com isso corre o risco de agregar mal entendidos por sua insensatez…
Obàtálà terá agora que vivenciar um processo, – a evolução da inconsciência pura e ingênua, à total consciência de si mesmo, – o “cair em si”.
Potencialmente tudo isso foi necessário, segundo a “Vontade do Pai” Olódùmaré, para o desenvolvimento dos três estágios psicológicos do homem que Obàtálà iria criar: agora, tinha de passar da perfeição inconsciente que antes se encontrava, de “ovelha arrebanhada”, inocente e pura, para a imperfeição consciente que agora se encontra.
Mais tarde, Obàtálà irá atingir a perfeição consciente, indo ao encontro do seu Pai para servi-lo, resgatando assim a sua unidade. “Eu e o Pai somos Um”!… Caminhou da plenitude da pureza do mundo interior e exterior, ainda unidos, para um estágio em que se dá a separação desses dois mundos, denotando aí a dualidade da vida; para depois, encontrar-se e atingir a iluminação, que nada mais é, que uma síntese harmoniosa do exterior com o interior. É o que os meus ilustres amigos cristãos chamam de “caminho da consciência Crística” e, é o que os meus amados mestres taoístas chamam de “caminho do Tao”.
Infelizmente a sociedade ocidental não entendeu a mensagem de Jesus, pois alcançamos um ponto no qual tentamos prosseguir sem o menor reconhecimento da vida interior, a nossa alma. Há um exemplo Bíblico em que Pedro, juntamente com os outros discípulos, após a ceia, reuniu-se com Jesus, pois o mestre pretendia orientá-los sobre a forma como deveriam dar a “boa nova”. Dizia ele, que ao falarem aos outros, em seu nome, deveriam ser “o menor de todos”, ou seja, – humildes! Pedro, de pronto concordou com ele; porém, o mestre que conhecia a Pedro, apanhou uma vasilha, colocou água e foi lavar os seus pés. Pedro ao ver aquela atitude de Jesus, afastou com rapidez o pé para que o seu rabi não se humilhasse diante dele. Jesus chamou sua atenção a respeito do que acabara de orientá-lo, pois, apesar de concordar intelectualmente com o seu mestre, não tinha na sua alma a mesma concordância. Tornara-se apenas conceitual a sua apreciação…
Agimos como Obàtálà no início da sua jornada, como se não houvesse o reino da alma, a sua “anima”, na “morada do Pai”, o inconsciente. Como se pudéssemos viver vidas completas, fixando-nos totalmente no mundo exterior, conceitual, material, intelectual e doutrinário apenas. Deveríamos discernir melhor quando Ele nos diz: “meu reino não é desse mundo”.
Acabaremos por descobrir que o mundo interior é uma realidade e que teremos de enfrentá-lo, apesar de tardiamente, no “final dos tempos”, ou quem sabe, quando Ele voltar…
Não sabemos ainda o suficiente. O isolamento do inconsciente é sinônimo do isolamento da alma e morada do espírito. A perda da nossa verdadeira vida religiosa é resultado dessa separação. Com isso, o mundo, que aí está é o testemunho visível das neuroses e dos conflitos interiores que não pode ser harmonizado apenas com o intelecto.
Aqui estamos testemunhando através da mitologia Yorubá, o primeiro desenvolvimento desse estágio, o primeiro passo do ser ao sair do “Éden espiritual” e entrar no mundo da dualidade.
Obàtálà, aqui começa a ser agora alguém por si próprio ao ter que assumir essa conscientização, terá agora que superar a sua queda, sofrimento e alienação. Observe que aqui, antes da fundação do mundo, houve um sacrifício, e que Obàtálà foi a “oferenda de sacrifício” para que o processo da Criação pudesse vir a se estabelecer.
O processo aqui não se completou, está longe de ser completado; seu relacionamento com o grupo, agora está destruído e ele ainda não se tornou um indivíduo para que possa relacionar-se bem com a vida. Sente-se só, culpado e alienado a princípio, e é essa alienação que exprime bem essa situação. Ele não considerou as advertências do oráculo Ifá, através de Òrúnmìlà, sacerdote de Olòdùmaré. Obàtálà usou sua contra parte, Odùduwà, sua “Anima”, na forma de “maus humores,” queixosa, vaidosa e orgulhosa. Enfrentou também Èsù, de forma sombria, agressiva e arrogante, que para ser dominado, precisa primeiro ser reconhecido e considerado e, aí sim, controlado. Foi derrotado por Èsù, psicologicamente no seu interior.
Agora, ao acordar com o seu ego prostrado, descobrirá que foi vencido por Èsù e Odùdúwà para a sua surpresa… Não devia tê-los reprimido e desconsiderado. Já que o “leite foi derramado”, agora não adianta queixar-se; terá agora que tornar o seu ego forte o bastante para não ser vencido pela ira, arrogância e mau humor. Por desconhecê-la é que as suas intenções ficaram contaminadas por ela, sendo por isso boicotado, faltando os insights realistas necessários para que seus projetos possam se realizar.
Com o “saco da existência” às costas, Odùdúwà sabe que parte da sua trama com Èsù tinha se concretizado; afinal, algo precisava ser feito para equilibrar o “inflado” ego de Obàtálà.
Tinha como desculpa, a negligência e a desconsideração às determinações dadas por Òrúnmìlà, através do sistema Ifá. A lei precisava se cumprir e ele Odùdúwà, dela fazia parte.
Olódùmaré, então parte para a segunda fase da sua idéia: chama Odùdúwà, para que dê prosseguimento à missão que dera a Obàtálà, e, manda reunir o seu grupo, que era composto de Èbora, o mais rápido possível.
Odùdúwà pede permissão para consultar Ifá antes de partir com o grupo, pois ele precisava saber qual a égide do Odù-Ifá, responsável pela sua missão.
Òrúnmìlà, – Elérìí ìpìn – testemunha dos destinos, fez os orôs de abertura e joga o opelê sobre a esteira, – Oyèku Méjì! Odù-Ìfá ligado à Morte, à noite, e ao ponto cardeal oeste, o poente. É a contraparte complementar do primeiro signo Odù-Ifá, Éjì-Ogbè. É o ocidente, a morte, o fim de um ciclo, o esgotamento de todas as possibilidades.
Já que as trevas existiam antes que fosse criada a luz, é considerado mais velho que Éjì-Ogbè, perdendo, porém o lugar para este, passando então a ser sua complementação. Oyèku Méjì introduziu a morte, dependendo dele o chamamento das almas. É quem comanda e participa dos rituais fúnebres. É quem comanda a abóbada celeste durante a noite e o crepúsculo. Tem uma influência direta sobre a agricultura e a terra em oposição a Éjì-Ogbè, que comanda o céu. Òrúnmìlà joga ainda duas vezes mais e alegremente revela a Odùdúwà que o caminho que o Odù o conduz, é o mesmo de Ikù, o Òrìsà da Morte, ou seja, ele iria criar um mundo material, perecível e cíclico. Aonde, tudo o que vier a existir terá corpos materiais, com maior ou menor densidade, porém feitos da mesma essência. A Ìkù caberá o rito de passagem, de devolver a terra os corpos antes animados pelo Espírito do Pai, o Ipòrí.
Recomendou ainda, que ele vestisse roupas negras, em consideração a Ìkù e ao Àiyé, o mundo manifesto que ele iria criar. Deu conhecimento a Odùdúwà para que sua missão chegasse a um bom termo, deveria ele dar uma oferenda a Èsù Elégbára.
Depois de prescrito o ébò, Odùdúwà saudou o sacerdote Òrúnmìlà, e “salvou” a previsão do oráculo com 16 bùzios, como pagamento.
Quero aqui esclarecer, que Odùdúwà ao ouvir as considerações do oráculo Ifá, não acredita literalmente nos textos, porém, sente o verdadeiro sentido por traz de tudo o que é dito. Em outro livro famoso a história se repete: Assim como Maria, mãe de Jesus, que ao avisar ao filho que o vinho acabara, ouve o seu amado filho dizer: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não chegou minha hora”. Sua mãe, porém diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ela é a fonte da inspiração profunda, que brota mais viva, quando decresce a consciência cheia de critérios, por isso, não considera e nem dá ouvidos ao seu conceito racionalista naquele momento. Quem sabe como ela no íntimo, – “faz a hora…
Sob as bênçãos de Òlórun, Odùdúwà chama Èsù para partilhar de tudo, juntamente com Ógun, conhecedor dos caminhos, o grande Asiwajù e Olùlonà “aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava o caminho”. Sabia ela, que sem eles nada se consegue levar a cabo…
Segundo o mito, os Òrìsà e os Èbora ficaram escandalizados quando viram Odùdúwà vestido de preto, com vestes masculinas, chegar ao pátio para conduzi-los nessa grande missão.
Quanta simbologia interessante a ser observada! A Criação começa no símbolo do renascimento, pois houve sacrifícios de “morte” antes…
Os primeiros passos no caminho de crescimento, porém, evocam fortes resistências do ego tirânico.
O desenvolvimento espiritual nunca ocorre sem uma luta gerada pela arrogância e desejo de poder do ego. Assim, quando Èsù, enviado por Odùduwà, esconde-se primeiro em Obàtalà, finalmente se separa dele e torna-se exterior, em forma de uma palmeira, que o representa. É agora sua projeção egótica. Odùduwà, como uma “punção interior”, permanece como instrutora e inspiração em Obàtálà…
Uma analogia psicológica aparece na importância do valor da alma, não apenas, enquanto reconhecida dentro da psique masculina de Obàtálà, mas também, quando projetada e aparecendo sobreposta em algo material, como a árvore Ìguí-òpe. Ela não é física, é um ser etéreo e, ainda assim, suas pegadas poderão ser vistas, tanto na “queda” de Obàtálà, quanto na concepção do mundo manifesto, o Àiyé. Ela tem substância, é o poder que dá ao mundo sagrado à matéria do símbolo. Ela tira o sagrado do nível da teoria, do abstrato e da figura de retórica. Ela o torna acessível no aqui-e-agora para ser tocado, sentido e vivenciado.
O mundo de Obàtálà só se fará instantâneo e palpável através da experiência simbólica e sagrada, que antes ele rejeitara.
Algo é feito sagrado, não apenas porque o é em si mesmo, mas, também pela nossa atitude com relação a ele. Ao reconhecê-lo e tratá-lo como tal, incorporamos seu poder genitor e criativo.
Agora, mergulhado em Odùdúwà, sua sombra, esse lado desconsiderado e obscuro de sua personalidade, sobressai-se e passa a impulsionar as ações que estão destituídas de razão, de consideração e de compaixão, desnaturadas nas bases dominantes da essência instintiva.
Esse Ìtàn maravilhoso nos mostra que a evolução do cosmo é feita de parceria entre Obàtálà e Odùdúwà, entre Deus e a humanidade, entre o espírito e a alma; o sagrado sempre está presente, o mais próximo possível, mas ele só tem o poder de dar significado e valor a nossa vida, quando nos inclinamos humildemente com reverência e respeito.
O mistério revelado é a nossa consciência, o nosso ato de reconhecimento; pois, ele tem o poder de fazer com que as coisas sejam o que são e, de tornar sagrado o que é sagrado.
A maioria das pessoas no mundo ocidental moderno aprendeu desde criança que nada é sagrado, nada merece ser reverenciado, que tudo pode ser reduzido à posse física, sexual, intelectualizada e conceitual. Resta-me perguntar à essas pessoas: Como é possível construir a imortalidade da alma através das referências de um corpo mortal?
Os pensamentos de Obàtálà foram considerados “pecados” pelo pai Òlórun, porque ele foi posto frente a frente com o que é espiritual, sagrado, transpessoal, e, tentou tratá-lo como se fosse algo conceitual, racional, físico e pessoal. Tentou reduzir Odùdúwà e Èsù a um acessório para o mundo do seu ego “inflado”. Agora ele irá gastar tempo e energia aprendendo a vivenciar suas “personalidades interiores”, que se manifestam por rituais simbólicos, como realidades interiores dele mesmo.
Vejamos agora, Obàtálà com o seu lado masculino e criativo, perde a oportunidade de começar o processo da Criação, cedendo o lugar ao princípio feminino e irmão, Odùdúwà.
O signo Odù-Ifà, Éjì-Ogbè, símbolo da vida, dá lugar a Oyèkù-Méjì, símbolo da morte, para que a Criação possa ter início. É a transformação do ego, que ao penetrar no reino do inconsciente, encontra-se com a alma e se integra a ela, desistindo do seu minúsculo domínio, para viver na vastidão de um império muito maior. E a “morte” do ego.
Observe, que desde os tempos primordiais, a morte foi concebida como um “visto de saída” da dimensão limitada do tempo e espaço, para um universo ilimitado e imensurável do espírito na eternidade. Esta “liberação” do físico é para o inconsciente um símbolo mais sutil: a liberação do ego dos limites do seu mundo pequeno e dos seus pontos de vista mesquinhos, para um universo interior livre e ilimitado.
Sem as visões restritas do ego, que a associa com o fim, a morte é um símbolo de transformações.
A Morte aqui simboliza um limiar. Ela representa mudança profunda, graças ao fato da consciência não mais ser dominada por um ego carente e sedento de poder.
O eu agora se torna humilde e entrega a direção a uma instância superior, “o Si mesmo” – Olódùmaré.
A única e verdadeira solução quem dá é Olódùmaré, com uma mudança de consciência e valores, – com a “morte do ego”, ou seja, com o sacrifício de Obàtálà, do seu velho ponto de vista, e, suas velhas atitudes enraizadas. Para nos libertar das energias kármicas da prisão do destino, não podemos ter uma consciência apoiada nas energias das polaridades, pois, todas essas referências são apoiadas sobre o corpo mortal e impermanente.
Naturalmente o verdadeiro potencial criativo está na profundidade, no reino interior; naquele que Obàtálà não olhou antes e nem considerou. O que se encontra na superfície já foi assimilado pelo ego, agora, somente os conhecimentos intuitivos do reino inconsciente, evitado até o momento, romperão as estruturas existentes e possibilitarão novas perspectivas, novas esperanças e novos horizontes. Dentro da filosofia mística chinesa Taoísta: “O Tudo é Um, e o Zero é a mãe do Um.
“O Zero é o Absoluto; o Vazio é a mãe da Onipotência. Antes de tudo, o Zero já estava presente; depois de tudo, o Zero continuará presente.”
“O Um é a Onipotência, o pai de todas as coisas. Na existência humana, muitos buscam o encontro com esse pai do poder. Durante a existência de todas as coisas, o Zero e o Um coexistem não se chocando, mas se completando”. Que analogia interessante! Observe que semelhança entre Obàtálà e Odùdúwà, onde o elemento masculino e criativo precisa mergulhar no elemento feminino e receptivo para poder gerar a transformação síntese exigida, – o elemento procriado, – o Àiyé e os ara-àiyé, ou seja, o mundo manifesto e seus habitantes.
Por fim, Odùdúwà, Òrìsà funfum do branco, e, princípio feminino, tem que se vestir de homem e de preto para poder chefiar os Èbora, que passam agora à frente dos Òrìsà no processo da Criação.
O princípio feminino e receptivo Odùdúwà traz o sublime sucesso, propiciado através da perseverança devocional. Se ele empreender algo e tentar dirigir, se desviará; porém, se ele seguir o criativo Obàtálà, encontrará orientação.
O branco agora está oculto no interior, representando o espírito imortal e genitor espiritual, o preto, representando a natureza manifesta no exterior, mortal e cíclica. A roupa masculina representa exteriormente Odùdúwà, o ser masculino manifesto, o agente imprescindível à Criação.
A viagem do autoconhecimento não foi interrompida, apenas tomou uma direção diferente, o aprendizado agora será feito através das experiências vivenciadas no mundo manifesto. Interessante essa mudança, pois, agora o caminho para a “Iluminação” não é mais pelas “nuvens”, pelas idéias ou ideais.
Agora, terá que estar expresso na realidade simbólica da “encarnação”, através da consciência. E, essa “encarnação” nos fala do paradoxo de duas naturezas: divina e terrena.
Outro símbolo de renascimento aparece, quando Obàtálà fura a árvore Ìgí-òpe com o seu cajado, o òpáòsùn, uma vara lisa, com apenas uns sininhos na sua extremidade, que representa os mundos ainda unidos, e que se transforma agora em outro símbolo mais complexo, o òpà-sóró – cajado que é a representação simbólica de diferenciação entre o Òrún e o Àiyé e, que estabelece os diferentes níveis de evolução entre estes dois mundos de existência. A sua extremidade agora é representada por um pombo branco, – Obàtálà, elemento Criador, símbolo da manifestação do Espírito, que possui agora mais “três pratos” metálicos abaixo, espaçados entre si, que representam outros mundos habitados, com graus de densidade material e de evolução diferentes, “a casa do Pai tem muitas moradas…”. Representa também, morte e renascimento real, ritualístico e simbólico. A Terra, onde o cajado se apóia, é o quinto “prato”, tendo ainda, mais quatro abaixo dela, – Òrún ìnsalè mérèèrin, com níveis ínferos de espiritualidade, onde habitam as Ìyá-mì e os Aparáokà. Totalizam-se assim nove Òrún, Òrún méèèsán, ou seja, nove “moradas”.
Para nós ocidentais, o grande símbolo dessas duas naturezas em integração, é Jesus, o Cristo, pois nela é dito que Deus veio habitar o mundo físico e o redimiu, tornando-se humano.
Simbolicamente, representam que este mundo físico, este corpo físico e esta vida mundana que levamos na terra, também são sagrados. Significa que os demais seres humanos têm o seu próprio valor intrínseco: eles não estão aqui meramente para que possamos perceber refletida neles a nossa fantasia de um mundo mais perfeito, transportando assim as nossas projeções de alma.
Os mundos físicos, mundanos e comuns têm sua própria beleza, sua validade própria e suas leis para serem observadas. É o “daí a Cezar o que é de Cezar, e a Deus o que é de Deus”.
Acho uma “inflação” descomunal do ego humano, julgar a criação material de Deus, como sendo algo “caído” que possa ser “melhorado” a partir de nós mesmos.
Agora, que a alma de Obàtálà está oportunamente reconsiderada, significa a personificação do seu mundo interior, portanto, tenho certeza que ela nos levará a uma jornada por esse mundo, pois é ela que expressa o reino mítico e terreno.
Observem que os animais sacrificados a Obàtálà são sempre do sexo feminino, e que a galinha d’angola é a representação síntese de Obàtálà e Odùdúwà, pois possui o branco e o preto em suas penas, participando efetivamente da criação do Àiyé.
Os elementos signos-símbolo de oferenda estabelecida pelo oráculo a Èsù foram: cinco galinhas d’angola, com cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um camaleão e uma corrente de 2.000 elos para Èsù, além de 200 caracóis igbim, que contêm “sangue branco”, a “água que apazigua”, omì-èrò, que seriam sacrificados aos pés de Olódùmaré.
Segundo o relato mítico, Odùdúwà fez as oferendas a Èsù, que então lhe devolveu uma galinha, uma pomba e o camaleão, retirando apenas um elo da corrente para usá-la como adorno. Recomendou então Èsù, que Odùdúwà soltasse os bichos na metade do caminho e, a levar consigo a corrente, pois todos seriam muito úteis na missão.
Odùdúwà toma um banho de amací, ervas frescas, e vai ao encontro do seu pai Òlórun, levando os 200 caracóis igbin para serem sacrificados por determinação do Sistema Ifá, – oráculo de Òrúnmìlà.
Feita a recomendação, seu pai Òlórun lhe devolve um igbin, abrindo o Àpére-odù, almofada na qual se sentava e coloca o restante dentro. Neste exato momento, descobre que havia uma pequena cabaça que continha o elemento terra, que estava faltando no “saco da existência”, o àpò-Ìwà; entregando-o então a Odùdúwà, para que ele pudesse agora concretizar o projeto de seu Pai.
Interessante notar que, no relato acima, Èsù, ao receber uma oferenda, restitui de tudo o que “comeu” para restabelecer a harmonia fecundante, fator de expansão, crescimento e transmissão do agbára -, força que se propaga de forma inesgotável, tendo como signo-símbolo o àdó-ìran, uma cabaça de pescoço bem longo. Este poder foi delegado a Èsù Elégbàra por seu pai Olódùmaré.
Essa é uma etapa importante, porque ajuda a integrar a experiência de Òlórun no inconsciente, na vida consciente e desperta de Obàtálá, através da sua alma “irmã” Odùdúwà. Foi chegada a hora de fazer alguma coisa física, – um ritual que traga para a realidade do cotidiano de forma poderosa, o significado da “Vontade do Pai”, que vive no inconsciente.
O ritual é uma representação física do princípio dinâmico – Èsù, da mudança de atitude interior, que o inconsciente está solicitando. Este é o nível de mudança que está sendo requisitado por Olódùmarè. Èsù aconselha também Odùdúwà a não falar a ninguém sobre o desejo de seu pai Òlórun, e, sobre o ritual prescrito, ou seja, não é uma boa idéia revelarmos o nosso inconsciente e o ritual, pois o falar tende a pôr toda experiência por “água abaixo”, em um nível abstrato.
Você acaba estragando tudo, pelo desejo de se apresentar sob melhor ângulo, em vez de uma experiência vivida e íntima, termina-se em um bate-papo amorfo e coletivo. Toda versão com intenção foge à verdade…
O ritual tira o entendimento do nível puramente abstrato do inconsciente e lhe confere uma realidade imediata e concreta, é uma forma de colocar o inconsciente e seus conteúdos, no aqui e agora da vida física, – no símbolo. São atos simbólicos que estabelecem uma conexão entre o consciente e o inconsciente e, ele nos fornecerá um meio de tirar os princípios do inconsciente e os imprimir à luz, na mente consciente. O princípio dinâmico Èsù é o veículo e mensageiro entre esses dois níveis.
Deveríamos sobrepujar os preconceitos culturais para melhor nos aproximarmos do inconsciente – Olódùmarè, e respeitarmos os rituais, nos desligando de certos preconceitos arraigados e racionalistas.
Acreditam algumas pessoas que os rituais nada mais são que remanescentes de um passado arcaico e supersticioso, ou de crenças religiosas “profanas”, fora de moda. Com isso, ficamos empobrecidos ao abandonarmos aquilo que nossos ancestrais tinham como parte natural de sua vida espiritual cotidiana.
O psicólogo junguiano Robert A. Johnson assim diz: “Nossa ânsia instintiva para o ritual expressivo permanece nos dias de hoje, mesmo tendo perdido o senso do seu papel psicológico e espiritual em nossa vida”.
Odùdúwà, então reuniu o grupo de Èbora liderados por Èsù, Ògún e Òsóòsì, que já conheciam o caminho para o Òrún Àkàsò, lugar onde Òlórum determinara para a criação do Àiyé, mundo manifesto. Juntamente com todos os outros Èbora:
Òsáyìn, Omolu, Òsumàrè, Nana, Ìrókò, Òsun, Yèmájà, Yánsàn, Sàngó, Oba, Iyewa, Lógun Ède, Ibéji e Èegun Elébajò, dirigiu-se para o lugar onde havia um pilar de ligação, chamado Òpó-Òrúm-oún-Àiyè.
Odùdúwà parou e viu que era exatamente ali o local indicado, onde, por Obra e Graça do seu Pai, tudo começaria…
Enquanto tudo isso ia tomando forma, Èsù e Òrúnmìlà conversavam sobre os grandes fundamentos que estavam por trás de todo aquele trabalho, que ora se realizava através de Odùdúwà.
Òrúnmìlà fazia chegar ao conhecimento de Èsù, a qualidade dos dois signos-símbolo odús, que se apresentaram à mesa do oráculo, quando Odùdúwà foi se consultar. Dizia ele para Èsù, que logo após Oyèku Méjì ter apresentado os seus desígnios, jogara mais duas vezes, sendo que, o primeiro Odù a se apresentar fora Òdí Méjì, que corresponde à posição Norte dos pontos cardeais, representa o aprisionamento do espírito à matéria para que a vida possa se tornar manifesta e surgir no mundo o que estava sendo criado.
Com isso, os Òrìsà teriam também que abdicar de viverem para sempre no Òrún. Agora, nesta primeira fase, viveriam de forma espiritual como ainda se encontram, mas que, após a conclusão dela, iriam também possuir um corpo material, denominado Arà, desta mesma matéria que Odùdúwà estava usando na confecção do mundo e, sujeitando-se às suas necessidades inerentes.
Explicava Òrúnmìlà a Èsù, que uma vez presos a corpos materiais, não havia meios de regressarem ao Òrún, a não ser que o seu tempo estivesse terminado no Àiyé. Explicou também, que os Òrìsà, por representarem uma força universal, seriam os genitores divinos, e, os Èbora, matéria de origem dos seres humanos, quando Iyá-nlá, a Terra acabasse de ser criada.
Sobre o segundo Odù que se apresentou à mesa do jogo, – Ìwòrì Méjì: representa o ponto cardeal Sul, fala dos caminhos do espírito, e é quem determina sua liberação do jugo da matéria, podendo o espírito agora voltar ao Òrún, desligando-se assim dos corpos que irão compor esses seres, chamados humanos.
Esses corpos, segundo o ìtàn, são quatro: físico, emocional, mental e espiritual, que é o Ìpònrí, partícula divina e imortal que pertence ao pai Òlórun. E, que os outros corpos: Arà (corpo físico), Ojíjì (emocional), e por fim Émì (mental), criados em co-participação com a terra, através da lama, eerúpe – matéria prima que Ìku, o Òrìsà da Morte retirou para a confecção do ser humano, entregando-a a Olódùmarè, para que Òrìsàlà, Olúgama e Babá Ajálà, o modelem segundo: “à Nossa Imagem, conforme a Nossa Semelhança…” Depois então, sopraria o Seu “hálito divino”, o emì, sopro de Olódùmarè, – o ar da vida.
Explicou ainda, o sábio sacerdote a Èsù: que todos terão um corpo que se chamará arà e, o que daria vida a esse corpo seria o emì; que a individualidade seria dada por orì, a cabeça, que a qualidade-momento do nascimento determinaria o odù.
Quando o ser humano morresse, eles retornariam à sua origem, – axexé.
O corpo voltaria para Ìyá-nlá, donde foi tirado juntamente com o emocional, o ar, voltaria para a atmosfera, – sàmmó e, que Orì retornaria ao Oké ìpòrí, lugar de origem do seu asé individual, seu genitor divino, Òrìsà. Orúnmìlà, conta também a Èsù, que esses primeiros seres, já anciãos, – àgbà, ao morrerem, seus espíritos passariam a ser Okú-Òrun, ancestrais, ou Irúnmalè-ancestre. Os seus descendentes-filhos, Irúnmalè-Omo ancestre, seriam chamados Éegun, explicando assim, o conceito de Àtúnwa, de muitas reencarnações, que retrata na verdade, a continuidade da vida através dos seus descendentes, ancestres familiares. Alguns desses Irúnmalè Omo-ancestres, égúns, depois de muitas vidas por diferentes corpos, se revoltariam e criariam uma “confraria” denominada Egbé Òrún Abiku, pois não estariam dispostos a passar provações espirituais aqui na terra, provocando assim a sua própria morte prematuramente.
Èsù estava interessadíssimo com o relato feito pelo seu sacerdote, quando todos interromperam a conversa deles.
Acho importante, mais a frente, explicar melhor o conceito yorubá, atúnwà, pois existe uma grande confusão a respeito. Muito diferente de transmigração budista e reencarnação espírita Kardecista, ainda assim, é considerada semelhante, – o que é um grande engano.
Segundo Capítulo
A Concepção
Todos os Èbora dirigidos por Odùdúwà dirigiram-se para o Òrún Àkàsò, lugar onde estariam diante do Òpó-òrun-oún-Àiyé, pilar de ligação entre o Òrún e o espaço, onde o Àiyé ia ser criado.
Os Èbora ficaram aterrorizados com o que viam… – eram trevas e escuridão absolutas!
Em sinal de profundo respeito e reverência, ao lado misterioso e desconhecido do pai Olódùmarè, prostraram-se ao solo humildemente. Odùdúwà levantou-se e começou a dar início ao projeto do seu Pai. Òrúnmìlà, então explica para Èsù as funções desses espaços criados: “Akítàlé, dimensão e orientação; Orìsunré, noção de tempo; Olómìtutu, a essência da água e sua umidade e Agbèniàdé, a energia do fogo, essência de Oyá”. Gisèle Omindarewá Crossard.
Segundo o Ìtàn, ele chamou Òsányìn e Aroni, o anão perneta, para que achassem para ele uma cabaça bem grande, cortassem ao meio e a colocassem à sua disposição.
Observem que a cabaça teria agora que ser cortada, símbolo da separação e da dualidade do mundo que estava sendo criado.
Logo, que o símbolo do Igbà-Odù, – uma cabaça, com os seus dois gomos, foram cortados ao meio por Òsáìyn e Aroni, separando o lado superior do inferior. De agora em diante, ao unirmos as suas duas metades, uma linha divisória aparece, dividindo o espaço no “acima”, superior e espiritual; no “abaixo”, inferior e terreno. Essa linha, ao se posicionar na manifestação, surge como resultado, a dualidade polar.
Separado está também o principio masculino do princípio feminino. Simbolicamente esse momento também representa o conceito de necessidade, pois o sol no Odù Éjì-Ogbè estava no nascente oriental e, viajou para o poente, no horizonte ocidental, um quadro de mudança da luz para o pólo escuro, até agora negligenciado pelo princípio masculino Obàtálà, com relação à sua contraparte Odùdúwà; como também, o momento da mudança que o sol tem inevitavelmente de realizar.
Também, necessárias são as experiências nesta qualidade-momento de caminho.
Simbolicamente, o que separa, corresponde ao princípio masculino e o que une ao feminino. Igualmente, o trecho do caminho masculino de Obàtálà, nos separa da origem, ao passo que agora o trecho do caminho é feminino em Odùdúwà, por critério de escolha feita, pelo pai Olódùmaré, para nos reconduzir à origem.
O pensamento masculino é separador, diferenciador, analítico e sempre estabelece novos limites, com isso, determina diferenças cada vez mais sutis, ao passo que o pensamento feminino, análogo, é integral, reconhece e acentua as coisas em comum e,
extingue os limites anteriormente estabelecidos.
Obàtálà considera Odùdúwà ambíguo, porém, ele sabe que a realidade é complexa demais para se submeter à clareza de uma única fórmula inequívoca.
Se o caminho de Obàtálà nos levou para fora da unidade de origem, para a multiplicidade, em que o ego desperto, em desenvolvimento e, em constante esforço pela clareza, se tornou unilateral; assim, o início do trecho deste caminho à nossa frente, muitas vezes ambíguo, nos levará em Odùdúwà aos conhecimentos paradoxais, para finalmente nos levar à unidade total e conciliatória. Essa mudança de direção estabelecida por Olódùmarè, que se torna manifesta e necessária, não agrada nem um pouco ao ego de Obàtálà. Com a maior má vontade, ele tem que desistir de tentar esclarecer e determinar tudo de forma tão inequívoca. Agora em Odùdúwà, sua contraparte, ele estará sempre sendo esclarecido através do oráculo Ifá por Òrúnmìlá, quais as determinações do seu Pai, quanto à tarefa da Criação. Agora, terá que se deixar ser conduzido pelo Self.
Aqui, Obàtálà desenvolverá a compreensão das suas necessidades e, com isso, compreenderá que o caminho o obriga ao desenvolvimento e ao crescimento. Agora, ele será confrontado com experiências palpáveis e ambíguas que deverá assimilar para poder amadurecer com sabedoria.
A qualidade arquetípica deste caminho é a previsão do oráculo, sua disposição íntima em aceitá-lo; é a vivência e as experiências que permitem a cura e o renascimento. Agora, o ego precisa estar forte e amadurecer nos primeiros trechos deste caminho. Ele tem de estar solidamente enraizado na realidade exterior e ser capaz de dialogar com as forças do inconsciente, a fim de poder ficar firme no encontro que irá se realizar.
Para se manter no longo caminho de realizações materiais, a consciência precisa encontrar a posição correta diante do inconsciente. Obàtálà terá de aprender a se deixar conduzir confiantemente por sua contraparte Odùdúwà e, sobretudo, não prosseguir em quaisquer objetivos egoístas ou gananciosos do eu.
Se o ego de Obàtálà, recusar esse “exercício de humildade” e, em vez disso, tentar roubar a força mágica do inconsciente, – sua contraparte Odùdúwà, por meio de truques, a fim de se apoderar desse poder; ele perde o que é verdadeiro e torna-se vítima da sua fantasia de poder, fracassando em sua “jornada de volta”, após a sua “queda”.
A Bíblia nos conta que o rei Nabucodonosor, ao receber um aviso em sonho, se enalteceu vaidosamente no telhado do seu palácio: “Não é esta a grandiosa Babilônia que edifiquei para a capital do meu reino, com a força do meu poder, para minha honra e glória?” Daniel 4:27.
Essas palavras ainda estavam ecoando quando se transformou num animal e “deram-lhe grama para comer, como aos bois” Daniel 5:21.
Quando Odùdúwà assume agora a direção, mostra-nos o que Obàtálà terá de abandonar aos poucos todos os símbolos de poder masculinos que foram penosamente colocados à prova nos trechos anteriores do caminho. O ego, agora, fortalecido irá amadurecendo, mas sedento de poder, tem que reconhecer seus limites e se tornar outra vez humilde e modesto. Antes, precisava fazer experiências, mas agora o desafio é ficar sinceramente aberto às experiências. Agora, nada acontece quando e por que o eu quer, mas quando e por que o seu Pai quer e, o caminho exige.
A segunda metade do caminho que se inicia aqui, só pode levar Obàtálà à visão superior, porém, somente quando tiver dominado as exigências negligenciadas da primeira metade do caminho, – suas “sombras”. Novamente o desconhecido está diante dele.
Muita apreensão, medo, há de vir nesta fase do caminho. A soma das suas possibilidades não vividas e, na maioria das vezes, não amadas será agora o seu lado “sombra”. É o encontro pela primeira vez com o seu lado feminino Odùdúwà, até então oculto em sua alma, espírito encarnado.
Quanto mais fraco for o seu ego, tanto mais terá ele medo de fracassar na missão e, tanto mais será tentado em mostrar-se durão para compensar sua fragilidade. Em vez de desenvolver uma firmeza interior, ele demonstrará uma dureza exterior, por trás da qual esconde instabilidade e sensibilidade de uma flor.
Terá que reverter à situação, sendo firme interiormente e flexível exteriormente, domesticando assim o seu lado instintivo.
Há pouco, ele acreditava que tudo estava em ordem e sob seu controle… E, agora isso!
Jung nos leva a refletir quando diz: “Não podemos viver à tarde da vida com o mesmo programa com que vivemos a manhã, pois o que é pouco pela manhã, à noite será muito”.
O Criativo conhece os grandes começos e o Receptivo, completa as coisas concluído-as.
O princípio criativo Obàtálà produz as sementes invisíveis de todo o vir a ser. Estas sementes são a princípio, puramente espirituais; por isso, sobre elas não é possível se exercer qualquer ação ou procedimento; nesse âmbito, é o conhecimento que age de forma criadora.
Enquanto o Criativo Obàtálà atua no mundo do invisível, tendo como campo o espírito e o tempo, o Receptivo Odùduwà, sua contraparte e “irmão” opera sobre a matéria distribuída no espaço e completa as coisas concluídas e concretizadas. Aqui, acompanha-se o processo de geração e procriação até as suas últimas profundezas metafísicas.
O Criativo Obàtálà é em sua essência, movimento lento e sem esforço; através desse seu movimento, ele consegue unir o que está dividido, pois o Criativo Obàtálà age através do fácil, enquanto a sua contraparte, o Receptivo Odùduwà, age através do simples.
Como a direção do movimento, – o Àba, é determinado ainda no seu estado germinal do vir a ser, tudo o mais se desenvolve com facilidade, de forma espontânea, segundo as leis de sua própria natureza.
O Criativo Obàtálà, cuja tendência almeja dirigir-se à frente, é o tempo; porém Odùduwà não se movimenta externamente, pois seu movimento é interno, é o espaço. Seu gesto deve ser concebido como uma autodivisão e o estado de repouso devem ser entendidos como um fechar-se em si mesmo; por isso não se trata de um movimento orientado para um objeto, para fora. Esta é a oposição fundamental que existe no mundo: entre o princípio Criativo Obàtálà, – a Criação, e o princípio Receptivo Odùduwà, – a Concepção.
Perfeito, em verdade, é a condição sublime do Receptivo Odùdúwà, pois todos lhe
devem seu nascimento; pois ele recebe e acolhe o elemento celestial com devoção, pois, assim é perfeito aquilo que atinge o ideal. Isso significa que Odùdúwà depende do Criativo Obàtálà. Enquanto o Criativo é o princípio gerador masculino, ao qual, todos devem os seus começos, o princípio Receptivo e feminino, é o que parteja e acolhe em si a semente do Criativo Obàtálà e dá aos seres forma corpórea, tornando-os omo-Odùdúwà – filhos de Odùdúwà. Em sua riqueza, ele é portador de todas as coisas, sua essência está em harmonia com o ilimitado. Em sua amplitude, abrange todas as coisas e em sua grandeza, a tudo ilumina e manifesta. Através dele, todos alcançam o sucesso. Enquanto o Criativo Obàtálà protege do alto as coisas e os seres, “cobrindo-as” com o seu Alá, ar divino, “òfurufú”, que separa os dois níveis de existência; o Receptivo Odùdúwà é quem os carrega, como fundamento que sempre subsiste. A sua essência é o ilimitado acordo com o Criativo Obàtálà. Esta é a causa do seu sucesso.
Enquanto o movimento lento do Criativo dirige-se para adiante, em linha reta, e seu estado de repouso é a imobilidade; o repouso do Receptivo Odùdúwà é o fechar-se, e, seu movimento, – o abrir-se. No estado fechado, abrange todas as coisas, como um grande seio materno. No estado aberto de movimento, ele dá entrada à luz do Criativo, com a qual tudo ilumina. Esta é a fonte do seu sucesso na Criação, pois manifesta a realização dos seres. No símbolo, o Criativo Obàtálà é representado por uma pomba branca que permeia o Òrún; já, o Receptivo Odùdúwà, na manifestação do Àiyé, é representado pela galinha d’angola, pintada de preto e branco. Um, é o poder e o ideal etéreo; o outro é a forma e a condição manifesta.
Goethe o chamaria de Deus e Natureza, o nosso Ìtán, dá-nos uma idéia mais generalizada para designar este par de opostos:
Òrun e Àiyé, Obàtálà e Odùdúwà. Tudo em permanente mutação e movimento. Assim, um elemento da antítese pode ser, por exemplo, o espiritual e o outro, o material. E, dentro do espiritual, um pode ser a faceta intelectual e criativa, enquanto do outro lado, o afetivo e sensível. Abrem-se assim, infinitas perspectivas entre esses dois princípios genitores.
Odúduwà está ciente que agora tudo é o “Oceano do Vir a Ser”, dentro daquele abismo de trevas criado por seu Pai.
Agora, é o princípio feminino que assume a direção no caminho, que introduz o princípio masculino nas profundezas do inconsciente, nos mistérios da vida. Nesse caminho de volta, é preciso agora praticar a arte do “deixar acontecer”.
Agora, é preciso realmente participar, pois, seja o que for que houver nesse caminho, não é mais possível resolver através da reflexão, ou de provérbios elegantes, mas, somente fazendo incondicionalmente essas experiências. É o caminho dos desejos e da misericórdia, no qual não progredimos quando queremos, mas, somente quando ele quer e exige a disposição incondicional de deixar-se conduzir.
Se, no início da sua jornada, abandona o colo do seu pai Olódùmarè e, torna-se adulto e independente, agora, o desafio é tornar-se submisso, é entregar novamente os símbolos masculinos de poder conquistados, e confiar na direção a uma Força Superior. O desafio não é mais a vida, mas a morte.
É o caminho do místico que o levará a superação do eu e o trará de volta a totalidade.
Odùdúwà contará agora apenas com a ajuda do oráculo Ifá, de Èsù e, dos nossos “pais terrenos”, os Èbora. Odùdúwà consultou Òrúnmìlà, patrono do oráculo Ifá, para saber a qualidade-momento da missão e, por onde deveria começar a realização dos trabalhos. Òrúnmìlà o orientou a começar pela luz, depois usar a terra e as galinhas d´angola de cinco dedos em cada pata, em homenagem a Ofun, totalizando dez dedos, pois, as águas primordiais já existiam antes da Criação. Por último, Agemo o camaleão, animal sagrado, mensageiro de Olódùmarè, que por sua capacidade de mutação e adaptação iria confirmar se tudo se encontrava de acordo com a orientação do Pai.
Odùdúwà e a sua comitiva, que simbolizam os elementos de interação, colocaram a corrente de 2000 elos para que ele deslizasse até o lugar acima das águas.
Chegando lá, Odùdúwà pegou então o àpò-Ìwà, “saco da existência”, o abriu, tirando de dentro uma cabacinha branca, colocando-a dentro da parte inferior da grande cabaça que fora cortada, assim, como todos os outros elementos que estavam dentro do àpò-Ìwà; soprou então o pó branco que nela continha em direção às trevas, gerando a luz, transformando-se em uma pomba branca, a mesma que Èsù tinha devolvido.
Eyelé, a pomba branca, voou em direção às trevas, espalhando éfun, o pó branco com as suas asas, afastando as trevas e, em seu lugar, criando a luz e o ar.
Segundo o Ìtàn, o ar gerou uma ventania tão forte que foi necessária à intervenção de Oyá, a pedido de Odùdúwà. Como ainda faltava muita coisa, Odùdúwà retira do “saco da existência” outra cabacinha que continha terra, entregou-a a Eyelé para que a pomba a espalhasse sobre a grande água oceânica.
Como observou que haveria a necessidade de espalhar essa terra em várias direções, convocou as galinhas d’angola para ciscarem a terra em todas as direções; o que foi prontamente concluído. Faltava, agora, esperar a terra secar e, para que isso fosse checado, só com a ajuda do camaleão Agemo, – concluiu Odùdúwà.
Na primeira descida dele a Terra, Odùdúwà perguntou-lhe: Olé? (Ela está firme?), Kole. (Ela não está firme), observou o camaleão. Só na segunda descida é que o camaleão sagrado considerou a Terra firme para ser habitada. Com o seu precioso e importante parecer, Odùdúwà foi tentar, por sua vez, pisá-la também com a sua pegada, marcando-a pela primeira vez. Esta marca possui o nome de Èse ntaié Odùdúwà.
Assim, ao ver que a terra agora poderia ser pisada, autorizou que todos os Èbora começassem a descer e a instalar-se.
Havia muita coisa ainda para ser feita e, por isso, Odùdúwà consultava-se com o sacerdote Òrúnmìlà, para dar continuidade ao seu trabalho, com a essencial ajuda do grupo. Assim como Oyá comandou o vento a pedido de Odùdúwà, todos os outros Èbora tiveram uma atuação importantíssima na Criação:
Nàná, assumiu o comando da lama, elemento primordial, seu filho Saponan, rei da terra, tem o controle das epidemias, Onìlé, ficou responsável pelo interior da terra, espiritual e materialmente. Òsóòsì, na sua forma de responsável pela caça que alimenta é Ode; Logunedé representa o filho de Òsum com Òsóòsì, é o peixe dos rios; Ògún, pelos instrumentos para caçar e lavrar a terra, está ligado a terra pelo ferro, é o ferreiro, Yèmánjá, pelas águas primordiais, é a purificação, a energia renovadora das águas; Òsun é a água fecundante, o lado materno, a placenta, a beleza e sensualidade das águas doces.
Iyewà é uma caçadora, pois está ligada a vários Òrisà, e Obá, pelas águas das fontes, córregos, lagos, cachoeiras e igarapés.
Representa o lado emocional amargurado pela esperança perdida e as decepções sentimentais que fazem chorar.
Sàngó é um ancestral divinizado, está ligado ao trovão, ao raio, edun ará, pedra neolítica, é aquele que transforma o fogo que destrói Ìsó, em Inà, o fogo que ilumina; Iroko, guardião da ancestralidade e sacralidade das mais antigas árvores da Terra, como o baobá, a gameleira branca e o próprio iroko, que representa todas as árvores centenárias. Olòkun, responsável pelos oceanos, Yansán, a que transporta os espíritos desencarnados a outras “moradas”; na sua forma de Oyá, é o vento forte das tempestades que carrega as sementes para um novo germinar, conduzindo também o raio; ela é a manifestação de Sàngó.
Òsùmàrè é a representação da continuidade no movimento e a força que dá sustentação a terra, o seu símbolo, é a serpente Dan, o orobóros, aquela que morde a própria cauda, representando os ciclos que nunca terminam aquele que não tem começo nem fim; tem também o arco-íris como símbolo do céu, unindo o mar e a terra a abóboda celeste é renovação eterna. Enquanto ele está presente, não haverá chuva; porém, ao ausentar-se, é a certeza que outras chuvas virão fertilizar o solo. Tem duplo aspecto: masculino e feminino.
Na cobra, é a terra e o mato, representação da metamorfose constante na troca de pele, descamando-se continuamente.
Òsányìn, o poder da cura pelas folhas, o médico fito-terapêutico da Terra; e Èsù, o princípio dinâmico de tudo e de todos, sem o qual, nada se mobiliza, cresce ou multiplica-se. É o poder realizador, a “protomatéria” do Universo; na forma de Yangi, é a lacterita, argila que deu forma a todos os Èsù, todas as formas individualizadas do Universo, ou seja, toda Natureza, com suas características próprias. Isto é a manifestação da vontade do Criador, que reunidas nos sustentam, nos ajudam a viver e que possuem afinidades intrínsecas na nossa constituição física, mental, emocional e espiritual. Haja vista, não podermos viver sem o ar, Osàlá; sem o fogo, sem o ferro, tanto na sua forma material, quanto como componente primordial no nosso sangue, sob pena de morrermos de anemia por sua falta.
As caças, as folhas e legumes que nos alimentam que nos curam de enfermidades, na forma de fitoterápicos. Sem falar nas águas, que representam oitenta por cento da nossa composição. Desse modo, precisamos ter mais humildade, respeito e zelarmos melhor a nossa natureza encarnada, assim como a do planeta, se quisermos continuar existindo.
A nossa arrogância racionalista está deixando as sociedades científicas preocupadas com a desatenção para os aspectos naturais tão simples e primitivos, que já não nos importamos mais. Globalizamos os conceitos, as tecnologias e todos os acervos culturais passados; porém somos muito mais do que imaginamos, e não nos demos conta disso. O resultado está visível aos nossos olhos.
Odùdúwà cria tudo o que era necessário, e delega poderes aos que o seguiam, conhecidas divindades como os “Agbà”, para governarem a criação e, volta então ao Òrun, só retornando quando tudo estiver concluído.
Ao voltar ao Àiyé, mais tarde, funda a primeira cidade, vindo a ser o primeiro Oba (Rei) do povo Yorubano, com o título de “Oba Óòni” o primeiro Óòni, tornando a cidade morada dos Òrìsà e dos seres.
Este local sagrado onde tudo começou, Odùdúwà batizou com o nome de Ilé Ifè ”lar sagrado daquilo que é amplo”, tornando-se mais tarde a então a Cidade Sagrada do Povo Yorubá.
O tempo da Criação durou quatro dias e, no quinto, todos descansaram para reverenciar Olódùmarè.
Estes dias (Aions), são eras cósmicas, não devem ser considerados como dias de 24hs.
Terceiro Capítulo
A Síntese
Segundo o mito, enquanto Odùdúwà consultava Orúnmìlà, ao lado de Èsù, Obàtálà acordou e, vendo-se só, sem o àpó-ìwà, entristeceu-se. Ao voltar à casa do seu pai, Olódùmarè tentou comfortá-lo e apaziguá-lo, – compensando-o.
Transmitiu-lhe a sabedoria e o poder de criar todos os seres que deveriam povoar a Terra, já que Odùdúwà seu “irmão”, com a ajuda dos Èbora, criara a Terra e as formas inferiores de vida.
Passou então ao seu amado filho, o poder-atributo de Alábàláxe, “Aquele que Possui o Poder de Realização com Autonomia”. Com isso, Obàtálà agora poderia engendrar a raça humana composta de seres terrenos dotados de espíritos do Òrún.
Obàtálà estava “acordando” da situação em que se encontrava anteriormente e, recobrando a sua consciência, percebeu-se só e despojado do atributo missão que lhe fora confiado, o apo-ìwà. Sentiu-se abandonado, percebendo que a sua missão não chegara a bom termo. Restava agora voltar ao Òrún e enfrentar a presença do seu Pai. Enfrentar o difícil regresso, com um “mar de culpas”. Tinha agora que achar uma saída, não podia perder-se no labirinto infernal da culpa que a sua alma Odùdúwà lhe impunha, pois neste caminho de volta, espreitam-no grandes tentações e armadilhas do ego, quando se encontra novamente desperto e com essa qualidade-momento.
A sua “queda” foi uma tarefa que teve de ser cumprida, mas que não deve tornar-se uma finalidade em si. Será agora tentado a desistir dessa viagem penosa e incerta da volta.
Observe que aqui, neste local, onde Obàtálà se encontra, com essa qualidade-momento, o maior perigo é perder para sempre tudo o que aprendeu com a maior dificuldade, depois de ter traído a sua alma e, com isso, selado a sua “queda”. Aqui, quando se enaltece o significado da alma no inconsciente, isso de modo algum significa que a importância da consciência de Obàtálà seja diminuída.
Sua validade unilateral só deve ser limitada por certa relativização; por outra, essa relativização não deve ir longe demais, a ponto de dominar o fascínio pelas verdades arquetípicas do eu, já que o eu vive no tempo e no espaço e precisa adaptar-se às circunstâncias.
Agora o caminho é estreito e árduo, já que o objetivo e local de salvação encontram-se próximos, mas que para chegar “a casa do Pai”, primeiro será preciso vencer este trecho difícil e derradeiro. … “Mas é estreita a porta e, apertado o caminho que conduz à vida e como são poucos os que o encontram! Mateus 7-14. O perigo agora, correspondente ao caminho de Obàtálà, está em cair no aspecto escuro da sua alma. Por ter ela uma natureza ambivalente, bipolar e paradoxal, quer iluminá-lo e enganá-lo, enredá-lo na vida e, ao mesmo tempo, recusá-la, até que Obàtálà tenha achado um lugar para além do seu jogo paradoxal.
Medo e aperto, duas palavras apenas que nascem e brotam de uma mesma raiz. Que medo é esse que Obàtálà sente nesta faze do caminho? Entendo que é o medo da própria profundidade em que se encontra depois dessa experiência de “queda”. É o medo da solidão, do silêncio, do abandono. Ninguém poderá partilhar com ele esse “momentum”. A sua influência será questionada, é um momento de opressão que leva a exaustão.
Não há dúvida que, por hora, lhe é impossível exercer qualquer influência no plano exterior, pois suas palavras não produzem efeito.
Agora Obàtálà será destinado a procurar as causas do medo e da solidão no lugar errado, onde aparentemente seja fácil eliminá-las. Será tentado a trocar a confissão pela justificativa.
Certa vez o renomado psicanalista Carl Gustav Jung comparou que, quando essa qualidade-momento se apresenta na vida do homem moderno, ele procura a saída mais fácil, como a do dono de uma casa que ao ouvir um barulho à noite em sua adega no porão, para se acalmar, sobe ao sótão, desliga a luz e, constata que não havia problema algum com o que se preocupar. Volta ao seu quarto, tranca bem a porta, deita-se e ora ao Senhor, pedindo sua interferência a um possível infortúnio. Ou seja, em vez de encarar o problema porque tem um Deus, ora com medo para Deus, porque tem um problema.
É preciso agora Obàtálà despertar em si, um arrependimento construtivo. Encarar a sua realidade presente, em vez de procurar justificativas que possam suavizar as suas culpas, seus sentimentos de angústia provocados pela oportunidade perdida.
O salmista Davi nos adverte contra os combates e irritações da Lua Nova, do medo que aparece, quando diz: “Vê como os ímpios retesam o arco, ajustando a flecha na corda, para atirar ocultamente nos corações retos” (Salmo 11:2).
É necessário agora que Obàtálà entenda a essência e a mensagem desse medo. Neste caso específico, esse medo é um indicador apropriado para o seu crescimento. Não pode fracassar, se deixar enganar pela escuridão que é esse momento, porém, seguir o anseio consciente, trilhando o caminho do medo, para finalmente chegar ao que é verdadeiro.
Obàtálà terá agora que enfrentar este caminho lunar até que todas as adversidades tenham sido vivenciadas com perseverança e cuidado, para não fugir às experiências inquietantes deste “estreito caminho”, que é nada mais nada menos, apresentar como fez o “filho pródigo” da parábola de Jesus, na volta à “casa do pai”, – um atestado de incompetência e falência.
Só que, tanto aqui, neste Ìtán, como lá na parábola, ambos são recebidos como jovens amados, que tinham se perdido e foram encontrados, pois em seu desenvolvimento, levaram uma existência própria e nova. Usaram os seus “talentos” inteiramente, como nos diz a outra parábola, ao invés de enterrá-los. “Vinhos novos em odres novos”.
Agora terão de ser capazes de perceber o quão pobres se tornaram os seus seres coletivos; quão inadequados e provisórios foram as suas realizações e, que agora, nesta solidão criativa e redentora, sejam levados a viver o seu lado obscuro até as profundezas; vivenciando, de forma criativa, o ciclo de morte e renascimento, como uma semente, que tem o compromisso de transformar-se em árvore. Ela terá que morrer para poder renascer. O eu sempre é pressionado a um encontro com o “Self” ou o “Si mesmo”, – Òlórun.
Será que Obàtálà toma uma postura de arrependimento e volta pronto a estar a serviço do seu Pai? Ou se enfatua, considerando com a sua megalomania o encontro como um merecimento seu, gabando-se das suas capacidades, com a sua fantasia de escolhido. Só terá desculpas a dar, se esta for a sua postura. Reclamará naturalmente das exigências do seu “irmão” Odùdúwà, e das artimanhas de Èsù; alegando ter sido uma vítima de ambos.
Ainda bem, que essa não foi a sua postura e escolha, pois, Obàtálà aqui neste Ìtán manteve a sua postura correta no caminho, de volta “a morada do pai”, vivenciando de forma verdadeira os resultados previstos.
Ao humilhar-se, no entanto, é confortado por seu pai, que lhe dá uma missão muito mais importante agora: a de criar todos os seres sobre a Terra. Observou Olódùmaré, entretanto, que havia a necessidade de sua reconciliação com Odùdúwà, antes de fazer qualquer oferenda ritual e, concretizar sua missão.
Jesus há mais de dois mil anos, nos adverte sobre essa necessidade: “Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; depois vem, e apresenta a tua oferta. Reconcilia-te depressa com o teu adversário, enquanto o adversário não te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça, e te recolham à prisão.
“Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último denário”. Mateus 5:23-26.
Observem que aqui a Justiça da Lei está presente e, que deve ser resgatado com presteza, sob pena de o processo estagnar e Obàtálà ficar preso e impossibilitado de dar andamento à sua missão. O resgate do passado tem que ser considerado como “oferenda”…
Obàtálà moldou então muitos Orì para povoar o Àiyé, e procurou os 400 Òrìsà, que já esperavam por ele no Òrún e, os reuniu. Entre os principais estavam: Olúfon, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin e Ògìyán, todos Òrìxà – fumfum.
Partiram todos comandados por Obàtálà em direção ao Aiyé, onde Òrúnmìlà consultava o sistema Ifá para Odùdúwà, ao lado de Èsù. O sacerdote, ao “olhar a mesa do jogo”, anunciou que Obàtálà e seu numeroso séqüito estavam vindos do Òrún, e que se Odùdúwà quisesse que tudo saísse segundo a ”Vontade do Pai”, ele deveria receber o seu “irmão” com grande reverência, e todos que estivessem sob o comando dele deveriam considerá-lo como pai.
Conforme o mito, Obàtálà foi recebido e saudado com grande respeito e reverências.
Obàtálà então se instalou com o seu numeroso grupo num lugar chamado Ìdítàa e descansou da grande jornada.
Como já era previsto, o grupo dos Èbora, liderados por Odùdúwà questionou logo de saída à possível liderança do recém chegado Obàtálà, criando assim entre os dois grupos, um clima de tensão, facção e atritos em torno de quem seria o líder absoluto. Uma guerra já era prevista e, já estava em jogo toda a Criação.
Òrúnmìlà teve que intervir como Sacerdote Supremo, chamando Odùdúwà e Obàtálà a virem até um lugarejo chamado Oropo; lugar neutro e tranqüilo, onde consultaria Ifá para ambos, sem serem pressionados.
Observou Òrúnmìlà que Odùdúwà chegara ao ponto culminante em suas realizações, manifestando à vontade de Olórun; porém agora, o seu poder declina, pois terá que considerar e ceder ao princípio criativo Obàtálà, para que esse poder luminoso tome o seu lugar. Só que Odùdúwà não se conforma com essa sua limitação e finitude. Ao tentar galgar algo que não lhe corresponde, está agindo contra a sua própria natureza, – sua contraparte Obàtálà e, como um Ícaro em sua pretensiosa ambição de vôo, sua queda será inevitável, pois Èsù, símbolo do princípio dinâmico do céu – Latopá, virá combater o símbolo dinâmico da manifestação – Yangí.
Quando, portanto, esta luta é travada de forma antinatural, a perspectiva da desintegração evidencia este colapso. Caso isso aconteça agora, os dois poderes primordiais sofrerão danos irreparáveis. Aqui, o mito da “rebelião de Lúcifer”, assemelha-se. Felizmente não foi o que aconteceu, pois Odùdúwà tornou-se receptiva. Nesta “mesa de jogo”, apresentou-se o Odù Ìwòrì-Ògbèrè que “não comporta uma análise mais detalhada para definir claramente as observações que preceitua, a fim de demonstrar a conjuntura de coisas que encerra. O certo é dizer, que quando se deita esta mesa de jogo, vindo neste caminho de Odù, ele traz a solução e a reconciliação necessária ao equilíbrio que a qualidade e o momento requerem”. (Pai Agenor Miranda da Rocha).
Sentados face a face, tendo Òrúnmìlà ao centro, Òbàtálà à sua direita e Odùdúwà à sua esquerda, assinalou Òrúnmìlà com grande sabedoria a importância de cada um deles, nas tarefas requeridas por seu pai Olódùmaré na Criação do Mundo, e, dos seus habitantes. Obàtálà recebeu então o título de Òrìnsànlá – “o grande Òrìsà” e foi colocado como Divindade Suprema Criadora, enquanto que as suas gerações físicas e terrenas permanecem como filhos de Odùdúwà, – o princípio feminino e “irmão”, ou seja: Omo-Odùdúwà, “filhos de Odùdúwà”. A união de Obàtálà com Odùdúwà torna-se andrógina, que significa integral, pois “retorna” a condição original da existência. Esta alquimia é o caminho do “Retorno à Origem”, onde é preciso tornar-se Um para poder mergulhar no Vazio; e, ao tornar-se Vazio como conseqüência, atingir a Imortalidade.
Está feito! Obàtálà conseguiu a vitória. Seguiu a trajetória do Sol marcada no Odù Éjì Ogbè, atravessou o céu e encontrou a escuridão do poente no Odù Oyèkù-Méjì, símbolo da morte, passou em todas as provas e realmente regressou, renascendo, reconciliando-se no Odù Ìwòrì-Ògbère. É a qualidade-momento do renascimento expresso no signo-símbolo, – o arrebol da “volta à casa do pai”.
É aqui, que Jonas é cuspido nas praias de Ninive pela baleia, como nos conta a Bíblia. Ele também resistia fazer o caminho traçado por Deus, porém, o caminho é que é a meta da realização, não a meta para o caminho, traçada por ele. Agora, Obàtálà encontra-se rejuvenescido, com um frescor de renascimento.
Assim como diz a Bíblia, na história da Gênesis: “Houve a tarde e houve a manhã e foi o primeiro dia”. Gênesis 1:5. A jornada de Obàtálà começou verdadeiramente no poente e encerrou-se no nascente. É o reencontro com a simplicidade que o faz ressurgir como uma criança pura agora. Ela permite a Obàtálà, que penetrou a enorme complexidade da realidade, chegar ao final do caminho, ao profundo conhecimento de que todas as verdades são simples. Agora, quase ao final da sua viagem-missão, podemos encontrá-lo novamente ingênuo e puro, pronto para realizar o seu trabalho com profundidade, paz, beleza e clareza de propósitos. Fazendo uma analogia a essa qualidade-momento de Obàtálà, Hermam Hesse nos conta a viagem espiritual de Sidharta, sua volta à simplicidade original, “seu estado búdico”. Ele, também esperou no início, poder evitar os abismos e sofrimentos da vida e encontrar a iluminação de forma unilateral, num vôo pelas alturas, através dos ideais e das idéias. Mas, teve que aprender que o “caminho é estreito”, que não existem atalhos, e que temos de nos aprofundar na vida para finalmente conseguirmos nos desapegar dos propósitos do ego. No final dos seus seis anos, ele fala sobre si mesmo como se estivesse descrevendo a qualidade-momento vivida aqui neste Ìtán por Obàtálà: “Bem, pensou ele, visto que perdi todas essas coisas transitórias, que agora estou novamente sob o sol, como quando era criança: nada é meu e não posso fazer nada, não aprendi nada. E algum tempo depois consta que Ele tornou a descer ao seu interior e então ficou novamente vazio nu e bobo no mundo. Mas não mais se entristeceu com isso não, até teve um ataque de riso; riu dele mesmo, riu desse mundo louco. É um rejuvenescimento de uma nova consciência do tempo”.
Para a nossa racionalidade que gradua tudo, esses desvios, parecem bastante sem sentido. Ela gostaria seguir um caminho mais reto e previsível.
Jung disse: “O caminho para a totalidade, consiste – infelizmente – em rodeios e em caminhos errados”. Como o nosso conto é africano, desejo fazer uma alegoria sobre a jornada de Obàtálà com a do rio africano Níger, um dos mais longos da terra; embora nasça a poucos quilômetros do mar no qual deságua, ele não pode fazer o caminho mais curto, pois há uma imensa montanha entre eles. O objetivo está tão perto, mas ele tem que fazer um desvio de 1000 km para alcançá-lo. No mito de Parsifal, nascido na Idade Média, à época do lendário Rei Arthur e sua Távola Redonda, há um trecho do conto que ressalta essa qualidade momento de forma análoga.
“Ele é um dos cavalheiros do rei que partem em busca do Graal, o cálice sagrado. No fim da sua viagem, encontra-se com o seu meio-irmão Feirefiss. O pai comum, Gamuret, o havia concebido com a negra Belakane no Oriente, motivo de Feirefiss parecer mestiço. Parcifal lutou contra ele, assim como lutamos com o estranho em nossa sombra. Mas aqui também acontece uma reconciliação dos irmãos, assim que eles reconhecem que são igualmente fortes. Pelo fato de não mais combater a sombra, mas ao ter reconhecido nela seu irmão, com o qual se reconcilia, Parsifal pôde então se tornar o rei do Graal. É a superação da divisão dos opostos, com que a razão dividia a realidade”.
O terapeuta Jean Glebser diz: “Aquilo que racionalmente parece um oposto é psiquicamente uma polaridade, em poder da qual não devemos cair enquanto a analisamos, mas que também não deve ser desconsiderada ou destruída por meio de um corte racional”.
Quando Obàtálà parte com a sua comitiva para o seu encontro com Odùdúwà e Èsù para uma reconciliação, um julgamento se faz presente nesta qualidade-momento, visto que aqui se vai determinar se este propósito é verdadeiro, ou uma grande fraude. “Pois, quando o homem errado usa o método certo, ainda assim o método certo dá errado”. Lao Tzü. É aí que todo charlatão fracassa, porque só o verdadeiro é bem sucedido na obra da salvação. A bandeira da ressurreição é o Odù Ìwòrì-Ògbère, que o sacerdote Òrúnmìlà apresenta, através de Ifá, simbolizando a superação do tempo de sofrimento, de oposição e conflito interior; é a vitória da reconciliação sobre o martírio da alienação, restabelecendo a trindade Obàtálà, Èsù e Odùdúwà, através da liberação do quaternário.
A “trindade divina”, essencial e verdadeira é liberada da prisão do quaternário terreno, representada aqui pelos grupos que se opunham à conciliação, criando facções de poder distintas e destrutivas.
Quarto Capítulo
O Homem
Ólórun Baba Olódùmaré transfere ao seu filho Obàtálà o título de Aláàbaláàxe, para que o mesmo possa criar todas as criaturas no Òrún em primeiro lugar, de forma espiritualizada apenas, cujos “doublês”, serão encarnados e manifestos no Àiyé, – a Terra. O seu “doublé” no Òrún é a sua contraparte espiritual. No Àiyé, – sua manifestação material.
Segundo José Beniste, – estando os atributos da terra já criados e instalados pelos Èbora comandados por Odùdúwà, devia agora Òrìsàálà, o Òrìsà Nlá, convocar Orèlúeré para trazer os seres espirituais para a Terra. Teria agora Orìsàálá, o trabalho de ser criador das características físicas humanas.
Com a água e o barro primordial, em forma de argila, Orìsàálà esculpiu o homem, tornando-se o escultor – Álámo Rere.
Criou então Òsàálá, os arà ènia, – os corpos humanos, modelados do barro – amò, e da água – omí, com a ajuda de Olúgama. Para a criação da cabeça física, – Orí Ode e da cabeça interior, – Orí Inú, chamou Òrìsàálá a Babá Àjàlá, contando com a ajuda dos espíritos ancestrais, que cedem as suas substâncias, necessárias ao Òkè ìpònrí, que acompanharão os seres humanos por toda a sua existência. Por último, Òsàálá pede a Olódùmaré, seu pai, para soprar o seu Èmí, sopro divino; dando vida e existência aos seres através da respiração, trazendo a força vital. Juntamente com este sopro divino, recebeu o ânimo interior, sua alma – Iwin, ligada aos espíritos manifestos, que têm a sua representação ancestral nas árvores sagradas: Ìrokò, odán, àràbà, akòkó e igi-òpe, por isso, paramentadas com um pano branco, o òjá-funfun.
Devo esclarecer que Ókè Ìpònrí, traz as suas “marcas” ancestrais que influenciam ao Orí Inú, com o seu livre-arbítrio a ter uma “qualidade espiritual” que deverá ser desenvolvida através do conhecimento e da educação moral e ética, e a voluntária aceitação do seu Òrìsà dentro da comunidade religiosa do Candomblé.
Muitas vezes, Orí não aceita a influência do Òrìsà, sendo então necessário se dar um obí com água para refrescar e reforçar a cabeça.
Depois de ter recebido no Òrún todos esses atributos essenciais, o ser agora está pronto para ser gerado no Àiyé.
Porém, antes deverá cruzar a fronteira denominada Òrún Àkàsó, onde encontrará o guardião de saída e entrada, – Oníbodè; com quem selará o seu destino duplo, escolhido no Òrún e vivido no Àiyé. Entretanto, ao fazerem a passagem para o útero materno tudo será esquecido. O desenvolvimento do feto no útero está sob a supervisão de Òsun e, é mobilizado por Èsù Eníre, – princípio ativo e dinâmico de Òsun.
Entendo ser necessário definir que o Orí só serve à pessoa a qual esteja ligado. Já os Òrìsà, são os guardiões, dão simultaneamente proteção para vários seres humanos. Logo, só o Orí, com o seu livre-arbítrio pode permitir que o Òrìsà seja genitor mítico, guardião e protetor daquela pessoa.
Portador de todos esses atributos precisará o ser conhecer a si mesmo e ao mundo que o rodeia, interagindo com sabedoria ao manifestar uma harmoniosa integralidade. O taoísmo chinês se expressa assim, ao fazer referências à “qualidade-momentum” que o ser vivencia nesse processo.
“O começo de todas as coisas jaz, por assim dizer, no além, na condição das idéias que estão ainda por se realizar. Aplicados ao plano humano, indicam o caminho do grande êxito”.
“O ato de criação se exprime nos dois atributos: ”sublime” e “sucesso”. A tarefa da conservação manifesta-se na contínua atualização e diferenciação da forma. Isso será expresso nos termos, “favorecendo” ou “propiciando”, criando o que corresponde à essência de cada ser”.
Agora, o ser humano criado também viverá o seu processo de individuação, percorrendo o caminho que Obàtálà vivenciou neste conto mítico aqui apresentado.
Ao nascer, terá agora que personificar a criança que gosta de provar coisas novas e inusitadas, com falta de jeito e certa leviandade. É um ser puro, espontâneo e inocente. Sua memória corporal ainda não foi bloqueada por tensões psicofísicas.
Desconhece o mundo complexo ao qual chegou, a mente dos seres adultos com as suas neuroses e psicoses. Desconhece ainda a opressão e a violência, a falta de amor e as guerras. Nesse estágio em que se encontra não precisa saber nada disso para crescer saudável e feliz. O que é requerido para esse momento é o amor, cuidado e apoio. Livre de medos, preconceitos e bloqueios emocionais vive a eternidade em cada momento.
A partir dessa potencialidade, começa a entrar em contato e a desenvolver em si mesmo uma polaridade. É o espírito em busca do conhecimento, com a disposição íntima de empreendedor, de curiosidade, do prazer de tentar coisas novas e de uma certeza ainda instintiva. É o nosso processo de conscientização no início, que vai do inconsciente para o consciente, para que numa fase próxima à terceira idade, faça o caminho contrário; que descreve a direção para o interior e escuro, o inconsciente, misterioso. O primeiro é o caminho do masculino; o segundo, o do feminino.
Desenvolverá, a partir daí, uma intensa atividade, com a atenção e a energia dirigida para objetivos à exterioridade. Não poderá, agora, se deixar dominar por bloqueios que o impeçam de agir. Precisa acreditar nas suas idéias e traçar objetivos palpáveis.
Desenvolver essa originalidade individual é entronizar cada vez mais o seu Òrìsà, o guardião, divino, ao seu Orí, para que juntos, possam cumprir o seu destino. Descobrirá o seu lado feminino, sua “anima” e contraparte, no caso de ser ele do sexo masculino, onde vivenciará momentos de recolhimento, com pouco interesse pela ação, demonstrando uma fase de descobrimentos internos. Demonstrará o desejo de parar para ter contato consigo internamente e identificar os seus verdadeiros desejos e emoções, tornando-se mais receptivo e consciente do seu lado emocional e afetivo. Agora, o seu momento de interiorização o levará àqueles momentos de tranqüilidade, silêncio, como se enxergasse através do que olha, um mundo que está além da visão adulta, talvez em outro tempo, ou chupando o dedo, totalmente receptivo, compreendendo tudo que lhe acontece em volta.
A sua expressão é de serenidade e sabedoria, que só os “iluminados” conseguiram resgatar na fase adulta. Com isso, vai crescendo dentro dessa polaridade e tomando conhecimentos concretos desse mundo, com o que pode e não pode fazer o mundo das regras, dos desejos e das expectativas alheias, que são estabelecidos por seus pais. Depois, pelos colegas, amigos, escola e sociedade.
Por ser um caminho dividido, já que a primeira metade da vida serve ao próprio desenvolvimento e crescimento exterior, sendo, ao contrário, a retirada para o interior e o encontro com a sombra, os temas da segunda metade. O objetivo final é uma personalidade íntegra, amadurecida para a totalidade.
Descobrirá a necessidade de dedicar-se aos outros, denotando a sua atenção e cuidados às pessoas necessitadas de apoio, porém sem com isso, deixar de dar atenção a si mesmo. Permitir-se a coisas boas da vida, descobrindo o prazer. De certo modo, perdeu a sua espontaneidade, de tomar medidas próprias e expressar suas idéias, pois para vencer os impactos gerados pela formação conceitual, teve de negar as suas próprias percepções.
Vivenciando esses processos até aqui, estará apto à realização prática dos assuntos materiais da vida. Suas obrigações nesta fase o obrigam a dar as costas a seus instintos e suas emoções, tornando-se mais racionalista, materialista e competitivo. Terá como paradoxo, um ego incapaz de relaxar, por excesso de obstinação. É atualmente um ser obstinado, conceitual e formal.
Transformou-se sem ter consciência ainda disso, num ser frustrado, num mendigo de atenção, sem a capacidade de entregar-se para amar. Pode até esconder esses traços com qualquer fantasia, sem saber que tudo o que escondeu continua trabalhando internamente nele, manipulando-o até os limites insuspeitos. São então vários os fatores principais que possibilitam essa sinistra transformação que aqui se depara o ser: sensibilidade, abertura e entrega amorosa da criança, a necessidade de amor e aprovação que ela tem a superioridade física dos seus pais e a sua dependência material.
Porém, este ser terá agora de ser educado, doutrinado pela sociedade que lhe dá o toque final, a falsa personalidade, “mascara” que terá que usar e adquirir. São o poder ideológico, os fundamentos religiosos, filosóficos e científicos que ajudam a sustentar os modelos econômicos e o Sistema.
Para poder percorrer esses dois mundos, quem só observar o exterior, não encontrará a direção essencial, como tampouco os encontrará quem se voltar unicamente para o transcendental.
Sua tarefa agora, de início, nesta jornada, será a de prestar a atenção e respeitar o notório e o oculto, em busca de um sentido e direção. Terá que ter uma disposição íntima de ser “levado” e conduzido pela confiança em Deus e experimentar muitas coisas práticas. Estará, agora, procurando o seu próprio sentido de vida, não se deixando influenciar por doutrinas alheias. Se vivenciar esse processo corretamente, encontrará o seu Mestre interno, que o apresentará ao externo. Assim sendo, começará a abrir-se a novos níveis de consciência.
No Tao Te King está escrito: “O Ser e o Não-Ser se engendram mutuamente”. Isso indica não só que toda qualidade contém seu oposto em maior ou menor grau, mas também mostra que, quando intensificamos um aspecto da realidade, estamos, na verdade, fortalecendo o seu oposto.
Depois de algum tempo, será estimulado a abandonar a casa dos pais – sua mãe, a fim de percorrer caminhos próprios, representados pela amada. Está agora apaixonado, vê o mundo com outros olhos e a si próprio também. Apaixonado, ele acha a coragem necessária para lutar pelo que quer e entrega-se cada vez mais ao amor e a paixão. Essa sensação extasiante leva-o a sentir-se também conectado consigo mesmo e isso o deixa pleno de gratidão. Porém resta-lhe ainda conquistar a sua amada.
A coragem e a determinação são pertinentes a essa qualidade-momento, pois, isso não acontecerá sem a decisão do “matricídio”, que nada mais é que cortar os “laços maternos”. Aí o grande dilema: tentar dar continuidade a esse momento, em que a espontaneidade e a paixão levam à felicidade, assumindo o direito de seguir os impulsos mais íntimos, ou continuar a rotina mecânica, escravizante, mesquinhas e sem prazer. A escolha entre ser ele mesmo ou continuar sendo escravo da programação familiar e social, é o seu momento de conscientização.
Essa alternativa consciente e libertadora é algo muito perigoso para o sistema, que se mantém enquanto tem escravos para alimentá-lo. Por isso, o Amor é o um perigo, principalmente se vier acompanhado de sexualidade consciente e livre.
Sua tarefa agora é a de tomar decisões sinceras e espontâneas, ter como objetivo dedicar-se de todo o coração a um caminho, a um trabalho, ou a uma pessoa.
Correrá, com isso, o risco de sentimentalismo e fanatismo. Agora, na partida deste novo ser, que irá experimentar o mundo, terá, ele que deixar para traz sua cidade, seus pais e parentes, que até então lhe davam proteção e segurança.
Viverá agora a dualidade, com a consciência que percebe a realidade e o paradoxo da vida, ou seja, não será capaz de reconhecer ou entender nada que não tenha o seu pólo oposto como referência. Na verdade, nasceu na dualidade, mas como era ainda uma criança, não tinha consciência dela. A cada passo do caminho, compreenderá melhor e de forma diferenciada a sua realidade exterior, tornando-se consciente da tensão gerada por estes opostos. Como os Cavaleiros do Rei Arthur, sai à procura do Graal, sem saber que está dentro de si mesmo.
Deixará as mordomias de Camelot (família), abandonará os apegos externos, para lançar-se à aventura de descobrir-se, embora continue carregando sua armadura de medos, bloqueios e mecanismos de defesa. Esse vislumbre de felicidade, que teve através da paixão, pode-se conseguir por outros caminhos, como a meditação, ou um encontro com um Ser Iluminado.
O ser aqui, ainda está no início do aprendizado, não tem prática; se for bem aconselhado e, se deixar conduzir, seu poder não deve ser subestimado.
O arquétipo desta fase é a partida, que tem como tarefa dominar as contradições da vida em si, ousar fazer o novo como objetivo e experimentar o mundo. Terá agora que penetrar no desconhecido e realizar grandes tarefas. Sua disposição íntima será a do otimismo, da vivacidade e de conscientização. Correrá o risco da arrogância e do descontrole nesta qualidade-momento do caminho, como paradoxo.
Mudar significa abandonar todo esquema de vida, de auto-imposições que, por outro lado, lhe davam segurança e proteção. Não sabe ainda muito bem que direção tomar, só quer tornar permanente um estado de plenitude que tomou conhecimento. Quando abandona suas prisões e proteções externas, suas rotinas mais sufocantes e se joga na vida, inevitavelmente se produz um ajustamento interno que traz benéficas conseqüências externas e favorece a continuidade da sua evolução.
A fase seguinte a esse processo será seu amadurecimento e ajustamento, pois em sua casa valiam para a sua vida os costumes da família, agora, porém, ele terá que compreender as leis deste mundo e fazer um julgamento sensato: ter coragem e ser inteligente. Colherá agora o que semear, receberá o que merecer. É o caminho da lei, pois terá que limpar uma parte do seu passado, assinar uma paz consigo e com o mundo, para continuar fluindo equilibrado. Aqui não existe escolha, a Lei é inexorável para equilibrar o Universo. Para não ser destruído por ela, o insustentável deve ser removido. É uma lei totalmente natural, por trás da qual não existe nenhuma inteligência agindo. Talvez não seja nada agradável, e por isso, saia muito mexido desse encontro, se não profundamente desestruturado. Algumas máscaras irão cair principalmente aquelas que escondiam sua vulnerabilidade.
Agora ele precisa saber quem ele verdadeiramente é. Ao percorrer esse caminho de conscientização, sentindo-se livre de tudo o que os seus pais, educadores e amigos lhe disseram. É o momento-caminho da identidade, que só pode ser encontrado e colhido no silêncio e na solidão.
É necessário ouvir esta voz silenciosa para descobrir o seu verdadeiro nome, sua “djina”, e saber quem realmente é. Não imitará mais e nem representará, pois isso será nocivo à sua individuação.
Porém, observem que na viagem deste ser humano, assim como na de Obàtálà, o processo de conscientização anda de mãos dadas com a consciência de culpa desde os primórdios da Criação, apesar de que, só através dela, o ser humano pode se transformar no que deve ser.
Se a culpa de beber da árvore do conhecimento, – o iguì-opè coube ao nosso pai, genitor primitivo, a nossa culpa desde aquele tempo, consiste na falta de autoconhecimento, pois, depois que o nosso herói perdeu para sempre o paraíso da inconsciência inocente, trata-se agora, nesta faze do caminho, de superar o estado sombrio da semiconsciência e chegar à clareza total, como um pressuposto da ruptura para a supra consciência, que lhe está reservada à terceira idade.
Obàtálà aqui, te deixa à mensagem: -“Você também pode chegar onde eu estou”! Com isso, ele nos esclarece que esse encontro e essa experiência nos são possíveis. Descobre agora que pode viver no mundo sem ser escravo e que cada situação pode ser aproveitada como uma oportunidade para um desenvolvimento. É um estado de integração.
Trata-se de algo que o ser recebe inesperadamente. Pode ser o otà do “assentamento” do seu Òrìsà, como símbolo desse encontro, que no momento primeiro comoveu-o, pela força mágica que ele irradia. São coisas que são sentidas com grande profundidade de significado e, por isso, são extraordinárias para um espírito esclarecido.
Ao receber um presente como esse, em seu caminho de iniciação, deve-se guardá-lo cuidadosamente para usá-lo num momento de grande necessidade, pois, ao lembrar e tocar naquele otà sentirá a grande força que vem em seu auxílio.
Não devemos nos esquecer de que o elemento mítico e simbólico não pode ser comprado por você e nem imaginado como é; ele precisa nos ser entregue por alguém que consideramos especial, um sábio, ou “pai espiritual”. Não devemos falar sobre ele e naturalmente nunca devemos esquecê-lo.
Como vamos entender isso? – É claro que não é o otà que contém a “força mágica”, assim como tampouco, um talismã. Trata-se da magia que o inconsciente empresta a esses objetos, quando os tratamos com a reverência do sagrado. Por isso, silêncio! Falarmos sobre isso, analisando o fenômeno de forma consciente, é o mesmo que “lavarmos” o objeto do seu poder de magia. A magia desaparece por encanto, pois antes era guardada como um tesouro em seu íntimo e, agora se tornou banalizada e publicamente racionalizada. Devemos ter consciência de que se trata de um “presente do céu” e que devemos aceitar, agradecidos, essa rara oportunidade sagrada; mas, que não devemos tratá-la como um merecimento do qual o nosso eu deva se vangloriar.
Lembro-me agora de Jacó e da pedra que serviu de travesseiro no deserto… Depois daquele sonho, do encontro com Deus, sua herança e missão sagrada, a tal pedra transformou-se num símbolo sagrado, materializando a qualidade-momento desse encontro espiritual. Ela em si não é sagrada, mas sim o seu sagrado nela representado!…
A tarefa nesta qualidade-momento do ser é de recolhimento, de seriedade comedida, de reflexão e concentração interior, encontrando-se fiel a si mesmo, ao seu Òrìsà, guardião e genitor mítico. Esse seu reconhecimento amoroso por si mesmo, que transborda da taça do seu coração, leva-o a integrar-se amorosamente com o Universo. Ele dirige a sua atenção para dentro de si. É a sua interiorização voluntária e consciente. Começou a estudar-se com uma abordagem analítica, utilizando os níveis inferiores da mente para conhecer-se, identificar os seus medos e padrões de comportamento, para investigar, na sua infância, as origens da negatividade que inibem a sua evolução. Com isso, vai agora desvendando as camadas do seu inconsciente, tomando contato e assumindo a sua verdadeira vontade, seus desejos proibidos e “inconfessáveis”. Assim, começa a discernir entre seu Ser Verdadeiro, seu Eu e o veneno que lhe foi injetado desde a infância.
Neste momento de transição, do movimento diurno para o noturno, ele deve procurar o oráculo, como fez Odùdúwà, no princípio da criação do mundo, pois o caminho agora é um mistério. Isto é, precisará de um “guia” para poder entrar em contato com as forças do inconsciente.
Mais centrado e consciente deixa a sua relativa solidão para voltar ao mundo, ao agito… Agora, porém já não se deixa hipnotizar com as luzes de néon, com as maravilhas da tecnologia, com as telenovelas e a Copa do Mundo. Já não morde a isca, vê a loucura autodestrutiva dos subjugados humanos e de seus dominadores. Sai da periferia dos acontecimentos manipulados e vai para o seu centro, livre das manipulações. Percebeu agora que pode viver nesse mundo, sem ser seu escravo, e que cada situação que a Existência lhe manda, pode ser aproveitada como uma oportunidade para não só aprender, mas para polir sua expressão mais autêntica e verdadeira. Descobrir-se-á único e verdadeiro, um filho do “pai”, – o mundo é seu!… É a individuação e a integralidade!
Observando e servindo a natureza que existe dentro de nós – Òrìsà, acumulamos poderes criativos, neste caminho. O homem torna-se o elo entre as forças do céu – do criativo Obàtálà, e as forças receptivas da terra, Odùdúwà. Administrar esse poder de ser o co-criador do universo onde vivemos requer um trabalho persistente, realizado no cotidiano, trabalhando os nossos padrões cristalizados. A partir de então, passamos a observar, sem julgamentos os movimentos da vida e da natureza, respeitando o seu processo.
A partir deste momento, a viagem vai depender da leitura que ele escolher: patriarcal ou matriarcal, ou seja: a recusa a se submeter à lei divina, de aceitar as dificuldades, os lados obscuros, e partir como um guerreiro e herói ocidental para vencê-lo.
A maneira ocidental e patriarcal nos ensina a perseguir e matar o dragão interior que representa o nosso lado desconhecido, em nível de consciência. A tentativa de dominá-lo, escravizá-lo e matar o animal “pecador” em nós, na visão ilusória de uma cura psicológica ou espiritual, nos inclina mostrar uma observação feita por Carl Gustav Jung: “Uma simples repressão da sombra, contudo é um remédio tão eficaz, como o de decepar a cabeça, só porque ela dói”.
Agora, o trecho ativo do caminho encerrou-se aqui, doravante ele irá precisar reconhecer que não há mais o que fazer e nem o que conquistar… Outrora, nos era exigida dominar as tarefas, agora devemos abandonar os símbolos de poder do trecho anterior. Para que isso seja possível, terá o ser que ser modesto e humilde, pois todas as experiências, daqui pra frente, fogem ao planejamento exigido na primeira metade do caminho. O que é verdadeiro, em nossa vida, acontece involuntariamente de agora em diante. Não adianta tentar encurtar o tempo de amadurecimento para que as coisas possam acontecer, pois nada, absolutamente nada acontecerá. Nada resta a aprender nos livros, pois precisamos nos entregar de corpo e alma às experiências à que seremos submetidos daqui pra frente. Agora, o sonho arquetípico do meu estimado amigo, pai Nelson da Òsun, nos diz que teremos que escrever o “livro da vida”, ao invés de procurarmos armazenar conhecimentos intelectuais através deles nas grandes bibliotecas…
Nessa qualidade-momento do caminho, há a necessidade de abolirmos os conceitos racionalistas do ego, para que ele não cause um embargo ou uma ruptura do sentimento; caso contrário, a alma não consegue voltar para ajudá-lo a encontrar a harmonia com o seu espírito.
Nessa fase de amadurecimento espiritual, não conseguimos mais vivenciar conceitos, e sim, experiências. O desconhecido está novamente diante de nós. O medo da criança diante de um mundo desconhecido retorna, pois as nossas certezas racionais, científicas e morais, tão importantes e úteis até aqui, de nada nos adiantam doravante. Somos literalmente abalados pelo outro lado, nesta fase do caminho. É o lado feminino da alma, que estava até então oculto e negligenciado e que tem agora o potencial e a soma das nossas possibilidades não vividas, assim como, as não amadas.
É aqui que o ser começa a fazer o caminho de volta que Obàtálà fez, já que o “saco da existência”, o àpò-Ìwà, com todos os seus conteúdos míticos de conhecimento, tornou-se doravante, “o saco dos conhecimentos inaproveitados”, pois de nada serviram para ele na “jornada de volta”…
Que situação! Tudo corria tão bem, na primeira metade da jornada, só, que doravante nada do que nos servia de “bússola”, nos serve mais. Todos os nossos conceitos e conhecimentos prévios de nada nos valem. Teremos que deixar “a vida nos levar”, pois será ela que nos fará vivenciar o inusitado e novo. Resistir a essa experiência, é retardar a viagem do “caminho de volta à morada do Pai”.
Por que é chamado de “caminho de volta?” É só observarmos que, na primeira metade, saímos do estado inconsciente de recém-nascidos para a luz da consciência e para isso, tivemos que adquirir conhecimentos e nos preparar para “vencer na vida”, atingindo os nossos objetivos e ideais. Só que um “estado de mutação” nos espera à frente e, com isso, uma mudança nos é requerida de imediato. Teremos que voltar a sermos como crianças, senão não entraremos no “Reino”… Enfrentar o caminho do inconsciente doravante é a palavra de ordem, apesar de termos arregimentado uma grande bagagem de conceitos racionalistas e conhecimentos prévios. Estamos agora novamente como criancinhas, literalmente “nas mãos de Deus”. É o “nascer de novo”. É o ego a serviço do Self.
Quando pequenos, estávamos condicionados e dependentes dos nossos pais terrenos, agora, de Deus. Teremos que atender a esse chamado e deveremos estar prontos para vivenciarmos essa experiência, segundo a “Vossa Vontade”.
Assim, como Moisés que depois de longos anos de ausência do Egito, longe dos seus pais adotivos, por motivo óbvio, já casado com a filha de um pastor de ovelhas e com a sua vida reestruturada, acomodada e rotineira, de súbito, algo inesperado estabelece o fim de um ciclo de vida. A “sarça” começa a “queimar-se” e a “arder” e um chamado de Deus é ouvido. Como uma combustão instantânea, do nada, tudo mudou de repente em sua vida pacata. Sua consciência passou a incomodá-lo. Literalmente, lhe foi exigido fazer o caminho de volta, com todas as apreensões possíveis que uma convocação dessas gera no ser. Temores e tremores foram gerados pelas dúvidas, exaustão, opressão e expectativas que uma mudança dessas causas em qualquer ser.
Que tipo de convocação é essa que poderia tê-lo deixado neste estado? …”E o clamor dos filhos de Israel chegou até Mim e também tenho visto a opressão com que os egípcios os oprimem. Vem agora e eu te enviarei a Faraó, para que tire do Egito o meu povo, os filhos de Israel. Então Moisés disse a Deus: Quem sou eu, para que vá a Faraó e tire do Egito os filhos de Israel?”
Que sorte de dificuldades teria que enfrentar ao convocar e liderar um povo numa missão desse porte? Toda a sua educação nobre, de filho adotivo de Faraó, como também, a sua recente experiência de pastor de ovelhas de nada lhe valiam.
Imagine, agora teria ele que contar com as mais inusitadas e jamais imaginadas formas de convencimento, como a de usar um cajado com o poder de transformação, símbolo da força e do poder do seu Deus, para pôr em prática a sua missão de convencer o rei a libertar os seus escravos e perder a sua força de trabalho, só porque, um sujeito a quem ele “nunca vira mais gordo”, se dizia enviado de um Deus, que não era o dele, para liderá-los numa viagem redentora à “Terra Prometida”. Teria também que amolecer o coração do Faraó, que fora previamente endurecido por Deus, com a finalidade de fazer Moisés perseverar, com paciência, todo esse paradoxo criativo, já que o próprio Moisés nunca fora eloqüente, paciente e nem persuasivo.
Deveria amadurecer e elevar-se espiritualmente à condição de líder e condutor de um povo que ele mal conhecia direito, sem sequer pensar em desistir da duríssima missão que teria de enfrentar. Para isso, deveria acreditar e se deixar ser conduzido.
É o “nega-te a ti mesmo, pega a tua cruz e siga-me”.
Nessa hora, não dependemos mais de credos teológicos, de modelos que nos serviam de referência dentro dos previsíveis caminhos da vida racional e lógica. Fomos chamados, e a única bagagem que devemos levar é uma fé irremovível e uma receptividade a essa “qualidade momentum” do caminho. Não dá mais para se racionalizar às melhores opções, avaliar as oportunidades ou conceituar o que se aprendeu nos livros. É tudo o que um bom e treinado ego ocidental desejaria, como parâmetros para a sua obstinada escolha, para um caminho reto, mais amplo e sem tropeços.
A “teologia da prosperidade” hoje, tão comum no cristianismo, certamente não daria a mínima a você, servo de Deus, se estivesse numa encruzilhada dessas, se por Ele tivesse sido convocado, para vivenciar o paradoxo criativo e redentor que um caminho desses nos leva. Até os anjos do Senhor teriam que brigar por você, como no caso de Moisés, e você teria em meio a tantos comentários duvidosos, convocar a “Deus como seu advogado”, como fez Jó, acreditando que tudo isso faz parte do projeto de Deus e não é coisa de nenhum demônio.
A “Terra Prometida” estava talvez a dois anos de marcha na direção escolhida previamente, porém, essa escolha criteriosa não faz parte do “caminho de volta”. Será mais demorado agora, pois, precisamos agora nos acostumar mais com essa nova forma de viver, – “segundo a Sua Vontade”… É a morte do ego que está sendo requerida.
Quarenta anos! Foi o tempo de Moisés. Quem diria? Um pequeno exercício de desapego e fé, que o Pai nos impõe, para que possamos segui-lo para uma das “suas moradas.” Só, que a viagem começa ainda aqui, o dia e à hora, quem escolhe é Ele. Se nós nos deixarmos conduzir devidamente, teremos o privilégio de sermos seguidos também por aqueles que ainda não entenderam bem a esse “chamado de volta”.
A qualidade arquetípica desse momento na jornada do ser exige dele vivenciar este arquétipo inevitável para alcançar o “bem de difícil alcance”… Entretanto, caso o ser se torne orgulhoso e recuse a aceitar essa mudança, seria o mesmo que o Sol se recusasse a se pôr e, em vez disso, continuasse seguindo para o ocidente. Logo, ele perderia o contato com a Terra e se perderia no infinito.
Quando o ser ultrapassa os limites da sua viagem diurna, por se recusar a vivenciar o processo do ocaso criativo e fazer agora a viagem à noite. Nesse caso, é forçado a voltar, porque, o que era essencial está soterrado ainda no plano terreno, pois o divino está na posição invertida e encontra-se abaixo do terreno. É Òdí, o Òdù que aprisiona o espírito à matéria, que está aqui representado. É a grande crise existencial.
Precisamos despachá-lo, dar adimù, para que o ser possa vivenciar o caminho do sagrado agora. Desejo observar que o termo “despachar” usado aqui, não é mandá-lo embora, e sim, dar prioridade em atendê-lo de forma correta, num caminho positivo.
Naturalmente, apenas julgávamos ter tudo sob nosso controle. A esse respeito, Jung afirma: “Mesmo as pessoas esclarecidas e preparadas em todos os sentidos, não só não sabem nada sobre o processo das mudanças psíquicas da meia-idade, como chegam à segunda metade da vida tão despreparada quanto às demais pessoas”.
São as crises que nos atingem e, que se transformam em verdadeiras provas de paciência, obrigando-nos por fim, a uma tomada de posição, quanto a uma mudança de direção.
Jung sintetiza esse momento dessa forma: “O encontro com o inconsciente coletivo é um acontecimento do destino, de ausência de tino, do qual o ser humano naturalmente nada intui, enquanto não estiver envolvido nele”. Aqui, no segundo terço do caminho, nos aguarda a grande crise de sentido.
Tínhamos habilitado anteriormente um ego saudável e, com isso, alcançamos todos nossos objetivos: moradias próprias, automóveis do ano, sucesso, dinheiro, um bom casamento, amigos, uma empresa sólida e uma família feliz. Até então, era tudo o que nós pensávamos. Achávamos que sairíamos da “ilha da fantasia”, a qualquer momento. Porém observamos assustados que fizemos moradas no meio dela e que não conseguimos vislumbrar a saída. Tudo de repente tornou-se sem sentido, sem graça e insosso. Como é que pode?
O ego desesperado aumenta as doses do desejo, cada vez mais, para sairmos daquela falta de motivação que nos angustia. Às vezes, o ego toma outra medida para nos resgatar, nos anestesia com compromissos religiosos: Igrejas, yoga, filosofias orientais, etc. Não irá adiantar de nada criar uma postura falsa nessa fase, com um comportamento exemplar, ou uma devoção religiosa, pois nenhuma esperteza terá sucesso.
Temos apenas a certeza de que nada realmente nos está ajudando. Essa é uma verdade dolorosa e difícil de ser aceita.
No nosso meio religioso, “o povo do santo”, a coisa mais comum que existe, é o “filho de santo” ao vivenciar essa qualidade-momentum no seu caminho, deixar a casa, o pai e os irmãos de santo, procurando mudar o seu destino em outra casa. Uns, acreditam que são os “pais de santo” que fazem o milagre; outros pioram ainda as coisas, pois acham que “fizeram o santo errado”, como se o “santo” fossem deles, não, eles do “santo”. Aliás, pai Agenor Miranda da Rocha definiu-me de forma muito íntegra essa questão sobre o “saber fazer o santo”.
Disse-me ele, que se um jardineiro formado na Inglaterra cuidar de um jardim de forma apenas profissional, sem amor pelas flores, elas não ficariam tão felizes, quanto se fossem cuidadas amorosamente por um profissional menos cursado, mas que tivesse um grande amor e zelo por elas. Ao cuidarmos do Òrìsà teríamos que usar dos mesmos critérios. Temos que avaliar outros critérios, que são subjetivos e menos racionalistas a respeito das coisas que devem ser tratadas de forma sagrada.
O que devemos fazer? Deixar-nos levar por intermédio do nosso guardião e genitor mítico, Òrìsà, senão ficaremos como um disco arranhado, que não consegue sair do mesmo trecho da música. Assim também nós não conseguiremos vivenciar o caminho a nós reservado, pois ficamos bloqueados pelo medo que esse trecho do caminho nos trouxe. Precisamos deixar de evitar essa “morte” do ego, para vivermos este processo com naturalidade e sabedoria. Segundo Lau Tzü: “Quem se ergue na ponta dos pés, não pode ficar assim por muito tempo. Quem abre demais as pernas, não pode andar direito. Quem se interpõe na luz, não pode luzir. Quem dá valor a si mesmo, não é valorizado. Quem se julga importante, não merece importância. Quem se louva a si mesmo, não é grande. Tais condições são detestadas pelos poderes do Tao. Por essa razão, aqueles que seguem o Caminho não as adotam”.
Jesus de Nazaré concorda com Lau Tzü quando nos diz:
“Quem quiser ser grande, seja o servidor de todos… quem se exaltar será humilhado”. Por isso, essa “morte” vale à pena. É a superação do ego que nos abrirá para a continuação do desenvolvimento. É como um fruto que amadureceu na árvore e precisa cair a fim de gerar uma nova vida e novos frutos como conseqüência. Esse ”deixar-se cair” é vivido pelo fruto da árvore como uma “morte”, ao desprender-se. Se ele se recusar a cair, ficará pendurado e ali apodrecerá aos poucos, sem ter gerado uma nova vida. Com isso, também não pode evitar o seu fim, apenas tornou-se estéril. Ou o ser vivencia profundamente e aprende com as suas crises, ou continuará ciclicamente com elas, sem se renovar, até que um dia Ìku bate à sua porta, trazendo consigo o presságio do fim da viagem e final de vida. “Se você morre antes de morrer, não morrerá quando morrer”, nos diz o poeta Lukan. “É a vida eterna”, à volta ao Paraíso!
Quanto a isso, o salmista Davi nos adverte através do (Salmo 90:12), quando nos diz: “Faze-nos criar juízo contando os nossos dias, para que venhamos a ter um coração sábio”.
O pior, é que a maioria entende esse recado de forma diferente: – “Ensina-nos a ser
tão esperto que não precisemos morrer”. É o momento apocalíptico bíblico: “cavalgando o quarto cavalo amarelo do Apocalipse pela Morte e o Inferno o seguia…” Apocalipse 6:8. É uma descida aos ínferos antes da subida aos céus, de volta à luz, acompanhada pelo seu anjo guardião, como Jesus, que “desceu aos ínferos e, ao terceiro dia, subiu aos céus”. Observem que à porta do seu túmulo, havia um anjo, e ele ainda não podia ser tocado, nem por sua amada discípula Maria Madalena.
Segundo o budismo, o que difere os seres infantis, ingênuos e tolos, do ser sábio, bobo e puro, é que entre estes dois seres, está a “morte” do ego para essa transformação essencial.
A experiência Cristã que nos mostra essa viagem pelo mar noturno está relatada na Bíblia, na história de Jonas, onde Deus lhe dá uma incumbência: “Levanta-te, vai a Ninive, a grande cidade e proclama sobre ela que a maldade deles subiu até Mim!”.
Qual é a qualidade dessa mensagem? Talvez os ameace com uma punição. O que nosso Jonas Bíblico faz? Fez exatamente o que todos fariam quando se encontram pela primeira vez com uma missão de vida dessa qualidade. Ele simplesmente foge, em direção contrária, para Társis. Interessante essa metáfora bíblica!
Só que houve uma tempestade e os embarcados com ele não eram teólogos ou cristãos evangélicos, pois acreditavam nos vaticínios dos oráculos. E Deus estava presente nesta resposta oracular, pois a sorte caiu sobre Jonas, como culpado por essa desobediência. Foi lançado ao mar, engolido por uma baleia, que o levou para a cidade de Ninive. Jonas tentou fugir ao seu destino, porém, não conseguiu; o oráculo foi só mais um instrumento nas mãos de Deus, assim como a baleia. Isso nos mostra que o nosso destino nas mãos de Deus é inexorável.
O que isso significa? Sempre que a personalidade consciente entra em conflito, com o processo interior de crescimento, ou seja, à vontade de Deus, ela sofre uma “crucificação”, pois, esse processo interior exige uma “morte” da teimosia do ego, que sempre estabelece limites.
A melhor iniciação que eu conheço, de cunho religioso, para essa fase do caminho é o Candomblé, pois, ao adepto, a premissa para através dessa religião fazer esse “caminho de volta”, será tomar conhecimento de um novo conceito de tempo e das concepções sobre a vida e a morte.
O tempo na concepção do Candomblé, em muito se diferencia do conceito ocidental, pois, essa “hora” não é determinada mais pelo relógio, e sim, pelo cumprimento das obrigações e tarefas reservadas à comunidade. Será sempre a atividade que definirá o tempo e não o relógio. Aliás, um relógio num terreiro de Candomblé não possui serventia alguma, pois, os referenciais são outras, como por exemplo: “depois do almoço”, “quando o sol esfriar”, “de noite”, “ao nascer do sol”, assim que fulano “desvirar”…
Ao invés de consultar um relógio, consultam-se os Òrìsà, através do obí, do orobô ou dos bùzios, para saber se estão satisfeitos com as oferendas, ou se falta algo. Se for o caso, a exigência deve ser cumprida imediatamente, saindo-se para comprar aquilo que estiver faltando.
Observem que o ser passa por uma iniciação espiritual, onde não se estabelece uma meta para o caminho, e sim, onde o caminho é a meta. É tudo o que importa para conduzi-lo, de forma inequívoca, nesta fase da sua vida. No Siré, a mesma coisa acontece. Caso já se esteja tocando e cantando a derradeira cantiga para um Orìsà e, um filho “vire no Santo”, o toque se estenderá para atender aquela contingência. Por isso, fica-nos difícil determinar a hora que irá acabar aquela reunião festiva e, ritual propiciatório.
Para a sociedade ocidental, o tempo é uma variável contínua, uma dimensão que possui uma realidade própria, independente dos acontecimentos, de tal modo, que são os fatos que se justapõem à escala do tempo. É o tempo, da precisão cronológica, que viabiliza a projeção e fundamenta a racionalidade. No tempo ocidental, os acontecimentos são organizados como anteriores e posteriores, uns como causa, e outros como conseqüência, – numa cadeia de correlações que chamamos de história.
Para os Yorubás, o tempo é uma composição de eventos, que já aconteceram ou que irão acontecer, imediatamente. É a reunião daquilo que já experimentamos como realizado; sendo que, o passado imediato está ligado ao presente, do qual é parte, enquanto o futuro imediato, nada mais é, que a continuação daquilo que já começou a acontecer no presente; não sendo, portanto, um acontecimento desligado da realidade presente e imediata. O futuro que se expressa na repetição dos fatos de natureza cíclica, como as estações do ano, as colheitas, o envelhecimento do ser, sua renovação contínua de células, é uma repetição do que já aconteceu anteriormente, viveu-se e experimentou-se; nesse caso, não é futuro.
Se o futuro é aquilo que não foi experimentado, ele não faz sentido, não pode ser controlado, pois, o tempo mensurável é o vivido como experiência, o acumulado e o acontecido.
Os acontecimentos passados, para a religião Yorubá, estão vivos e presentes nos mitos, que falam dos acontecimentos, dos atos de heroísmo, das descobertas e, de toda a sorte de eventos, das quais, a vida presente é a continuação. Cada elemento mítico atende a uma necessidade que justifica fatos e crenças, que compõem a existência de quem o cultiva.
O mito fala do passado remoto, que explica a vida no presente, e, mais do que isso, que se refaz no presente. Cada mito é autônomo e os personagens de um podem aparecer num outro com outras características relacionais e, às vezes, contraditórias entre si. Por serem narrativas parciais, suas reuniões não propiciam uma totalidade delineada, pois não existe um fio narrativo na mitologia, como aquele que norteia a construção da história ocidental. No mundo mítico, os elementos não se ajustam a um tempo linear e contínuo, pois, o tempo do mito é o tempo das origens, existindo assim um tempo de espera entre o fato contado pelo mito, e o tempo do narrador.
Depois que a morte destruiu o limite que o ego teve de construir, de agora em diante, terá o ser que unir o que estava separado. Ou seja, é a morte do robô, aquele papagaio medroso, repetidor de doutrinas. É a agonia do ser escravo do sistema e do ego. Suas defesas quebraram-se e, com o que sobrou, um Ser Divino ressurgiu. O caminho de recuperação do seu ser está aberto. Contaremos agora, tão somente, com o nosso anjo da guarda, Òrìsà, pois o caminho estreito da individuação, e da formação do eu, é trans pessoal, um desenvolvimento do si mesmo, levando o ser à totalidade no restante do caminho.
Para um eu orgulhoso, quanto um eu medroso e fraco, a dificuldade está em confiarmos a direção ao inconsciente, pois ao primeiro falta visão e ao segundo, confiança. Assim, logo Deus cuida para que nos enredemos numa situação sem saída, numa crise existencial. O eu tem que fracassar, porque todos os truques não o ajudam mais. Não há nenhum método, conhecimento, crença e teologia para vivenciarmos o caminho com a segurança que o ego necessita como parâmetros. Não existe mais uma referência exterior e nenhuma cartilha contendo os “doze passos do sucesso”.
O Caminho só acontece se, você se deixar levar pelo Espírito, pois: “O vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito”. João 3:8.
Confiar é a palavra chave do ego, pois precisa de parâmetros. Agora, porém, é preciso ter fé. Você vai ter que fazer a “Vontade de Deus” para poder conhecê-lo no Caminho… E, não ao contrário, como muitos pensam. Acreditam, que primeiro precisam conhecer a Deus através da teologia, para depois encontrá-lo e segui-lo. As referências anteriores devem ser esquecidas e deixadas pra trás. Mais uma vez, o mestre Jesus nos adverte: “Lembrai-vos da mulher de Ló!”. Não olhai para trás quando os “sinais” estiverem se cumprindo…
Há uma antiga lenda chinesa, sob forma de metáfora, que retrata bem essa passagem vivida pelo nosso herói Obàtálà, dando-nos uma sutil orientação: “O senhor da terra amarela viajava para além dos limites do mundo. Chegou a uma montanha muito alta e, no seu topo viu a indicação do regresso.
Então, ele que até ali sempre carregara consigo uma pérola mágica perdeu-a naquele instante. Mandou então, o conhecimento procurá-la e não a teve de volta. Mandou a perspicácia ir buscá-la e não a teve de volta. Depois de muito refletir, mandou o esquecimento de si mesmo. O esquecimento de si mesmo a encontrou. O senhor da terra amarela disse: ”É estranho que justamente o esquecimento de si mesmo tenha sido capaz de encontrá-la”!
O ser, aqui chegou ao ponto mais profundo dessa viagem, pois, ao descer alguns penhascos que antes subira atravessar abismos, agora, precisará vencer os perigos desconhecidos. Doravante, estará totalmente isolado e perdido, se não tiver um guardião ou condutor de alma digno de confiança.
Onde encontrá-lo? Já que nessa fase do Caminho não há nada que possamos fazer, só nos resta deixar acontecer. Não devemos procurá-lo, mas ao mesmo tempo, devemos nos abrir para ele, estando dispostos a segui-lo, isto o atrai. Ele sempre esteve aí, nós é que não mais o ouvíamos. Não o encontramos fora, num ser humano, guru ou sacerdote, pois ele é interior e, do sexo oposto ao nosso, – Anima ou Animus. Deverá então, o ser nesta fase, estabelecer com ele um diálogo, mesmo que isso nos pareça estranho. “É a arte de dar voz ao invisível”, segundo Carl Gustav Jung.
A hipocrisia aqui não entra, pois os diálogos com o seu guardião devem cada vez mais se aprofundar e tornar-se constante para a sua saúde mental e emocional.
Enquanto na fase anterior houve a necessidade de uma renúncia, uma “morte” do ego, agora, precisou misturar temperar e, buscar o caminho do meio, fazer a medida correta. Só que “quanto mais luz, mais sombra”. O opositor ao nosso guardião encontra-se de plantão e, por isso, somos sempre a partir daí tentados aos excessos, a dependência e, a cobiça. Ficamos muitas vezes divididos entre a abstinência e o excesso, dificultando desse modo, encontrar a medida certa.
O ser, já teve no início da sua jornada, uns educadores conceituais bíblicos e, representantes de uma autoridade religiosa em seu caminho solar; agora, só o seu guardião poderá conduzi-lo pela viagem noturna. Um, correspondeu a uma conscientização, nos isolando da totalidade na “queda adâmica” ou pecado original; doravante, entretanto, só o guardião levará o ser de volta à integralidade, da desgraça para a salvação, resgatando o seu centro verdadeiro, para que ele possa fazer o caminho do meio. Terá que trocar a confiança e os códigos morais de ética, como parâmetros para essa fase, pela força Superior da Fé.
É melhor ser conduzido por ele do que por alguém, porém vale ressaltar que não devemos nos iludir, imaginando que de agora em diante tudo nos seja fácil, só porque fizemos a associação correta. Estar entre a morte do ego e a tentação do opositor, não pode ser considerado uma benignidade hipócrita e inexpressiva. Precisamos entender que a polaridade de uma temperança tende a nos colocar no excesso, na obstinação ou na depressão ou indiferença. Muitos nessa fase abandonam o caminho do meio, pois não existem parâmetros morais e éticos que sirvam de apoio. Os conceitos de certo e errado, bem e mal, que nos foram passados numa fase anterior, tornam-se sem finalidades, pois a consciência amadurecida sabe que um veneno na dose adequada pode ser o remédio que salva, ao passo que aquilo que é considerado bom, vivido em excesso, logo se torna um mal.
Sidarta Gautama – o Buda percebeu que estava vivendo apenas como um asceta quando ouviu um mestre ensinando ao seu discípulo a afinar uma cítara. Ora, a corda partia por estar esticada demais; ou o instrumento ficava desafinado, pois ela ainda não tinha a tensão correta. Percebeu a partir daí, que o caminho do meio é a diferenciação entre a afinação e a desafinação. Levantou-se e foi banhar-se no rio, sorrindo, iluminou-se.
Esse sorriso foi significativo! O seu guardião promoveu um encontro a meio caminho; esse encontro, porém não o deixou enfeitiçar-se, achando-se um sabichão, que não pode ser questionado, que necessita ser sempre valorizado. O nosso ser, nesta fase, não recebeu um salvo-conduto para agir como quisesse, atendendo apenas a um chamado do seu ego, e sim, de uma inspiração superior.
O perigo da confusão está presente, como antítese, trazendo influências duvidosas que nem sempre estamos aptos a vigiar. “Não acrediteis em qualquer pessoa, mas examinai os que se apresentam para ver se são de Deus”. I João 4:1.
Se o ser encontra-se numa encruzilhada, precisamos ajudá-lo a ver e ouvir ao seu guardião, pois só ele apontará a saída “impossível”, segundo o nosso ego; pois tudo o que se aprendeu tradicionalmente para criar uma base consciente, fracassa ou nos leva a um conflito maior, por causa da sua contradição e polaridade.
O mestre Osho, em uma das suas palestras, apresenta-nos um conto Sufi, onde Mula Narusdim cria uma situação cheia de ambigüidades, com a finalidade de mostrar aos seus discípulos, a verem a verdade por traz das aparências. Vamos observar este conto: “Uns discípulos encontraram o mestre Mula Narusdim engatinhando embaixo de um poste de luz”.
– O que procura Mestre? – perguntaram-lhe.
Perdi a chave de casa, – ele respondeu.
Todos então ficaram de quatro a procurar a chave para ajudá-lo.
Mas, após um tempo infrutífero de busca, alguém pensou em lhe perguntar onde havia perdido a chave.
Em casa, – respondeu Narusdim.
-Então porque estás procurando sob o poste? – indagaram.
Porque aqui é mais iluminado, – retrucou o mestre Narusdim”.
Muitos de nós, acostumados ao pensamento racionalista ocidental, concluiríamos algumas versões em forma de mensagens para essa imagem metafórica criada pelo mestre Sufi.
Alguns achariam que ele estava querendo dizer que as pessoas habituam-se a procurar fora, em certos lugares, pela chave da infelicidade alheia, quando lucrariam muito mais se procurassem em suas “próprias casas”, dentro de si. Outros achariam que sob a luz é mais fácil encontrarmos algo que perdemos em nós. A luz, neste caso, seriam os dharmas, as técnicas de meditação, as igrejas, os mosteiros de iniciação zen budistas, ou a teologia cristã com seus dogmas. Porém, o mestre só nos quis dizer: – “Procurar, é a chave da iluminação”. A ação não era em vão, pois o propósito era mais fundamental do que parecia. A chave era apenas um pretexto para uma atividade que tinha a sua própria razão de ser.
Como indica-nos o mestre Narusdim, estamos buscando algo. A alternativa ao ser é reagir e isso interrompe o ser e o aniquila.
Aprender através da busca a enxergar, ao invés de reagir, pois enxergar acaba sendo a chave.
Assim, como tínhamos na fase anterior o nosso guardião, como condutor de luz, temos agora em contra partida, o arquétipo do adversário, presente em nossa jornada. A nossa tarefa será a de superar obstáculos interiores, os aspectos não vividos, indesejados e reprimidos que se manifestam de forma autônoma, por não terem se tornados conscientes e compreendidos, – a nossa “sombra”.
Precisamos descobrir e entender essas personalidades interiores, pois corremos o risco de nos tornar suas vítimas, de reincidirmos nos erros e perdermos a temperança, gerando uma luta de poder, cobiça e luxúria. Perde-se assim a liberdade interior, gerando dependência, tentado sempre fazer exatamente aquilo que não se deseja fazer, tornando-se doravante uma pessoa amargurada e amargurando também aquelas com quem se convive. O apóstolo Paulo de Tarso, também vivenciou esta qualidade momento na sua jornada espiritual com Cristo, quando pediu que “tirasse o espinho da sua carne…” Jesus, porém disse-lhe: “A minha graça te basta”.
Bem, se existe um inferno, este é um onde o nosso ser deve tentar se salvar da violenta ação do nosso adversário; o bem perdido, a alma vendida, ou seja, o que estiver preso em suas garras. Precisamos destruir essa prisão, libertar essa alma aprisionada; no entanto, isso só nos acontece na maioria das vezes, com uma intervenção de Deus, provocando um grande abalo externo em nossa vida, para que possamos ver que a realidade é maior e diferente da nossa imaginação. Essa catástrofe externa nos vem trazer uma libertação dramática do condicionamento reinante em que nos encontrávamos, pois, não estávamos aptos a fazê-la conscientemente.
Não dispomos ainda de independência suficiente para vencer esses condicionamentos que trazem consigo um profundo sentimento de remorso. Acabamos virando “santo de barro” nos andores da vida. Esquecemos que estamos sendo levados pelas circunstâncias e, não temos mais os nossos caminhos em nossas mãos. Quando caímos dos andores, nos quebramos todos, perdendo a total referência de projeção que detínhamos. Descobrimos, para nosso desconsolo, que estamos completamente sós.
Quando essa qualidade-momento se apresenta no nosso caminho, ficamos à deriva com o nosso ego.
Um “amigo de sempre” como ele costuma me chamar, vivenciou esta “qualidade–momentum” nos seus caminhos de sacerdote cristão, concluindo que aquilo que vivenciara parecera para todos como um castigo de Deus, com conseqüências… Porém, para ele, tornara-se um “cair para cima”; pois, só assim, libertou-se das amarras a que tinha se condicionado como símbolo de projeção evangélica do seu rebanho. Os “amigos de Jó” sumiram do convívio, fizeram um julgamento de si próprios no espelho que os refletia, e não aceitaram nada do que viram… Julgaram o espelho! De certa forma, Deus sempre nos dá ajuda radical quando não conseguimos imaginar a realidade como ela é em torno de nós. Antes, éramos pecadores renitentes, pois o nosso sentimento de culpa nos fazia neuróticos e complexados, agora “salvos”, tornamo-nos psicóticos e arrogantes, achando que estamos justificados no Caminho. “Só Deus com um gancho”, – como dizia meu avô.
O oráculo taoísta I Ching nos adverte com uma metáfora: “Quem caça veado sem o guarda florestal só poderá se perder na floresta”. A humildade nos é requerida aqui, pois só nos resta orar e vigiar, pedindo a orientação devida para vivenciar esse processo e compreender os seus sinais… Forçar uma saída com a nossa racionalidade nos trará humilhação. Fomos seduzidos pelo desejo de algo e sofremos por não consegui-lo. Perdemos, assim, a nossa independência para os resultados. As nossas idéias se interpõem entre nós e a realidade. Por isso, vivemos mais em função das imagens que fazemos da realidade, do que a própria realidade. Estamos profundamente separados da unidade, por estarmos tão apegados e obstinados com as nossas idéias fixas e estreitas, como estava Obàtálà no início do nosso Ìtán. Precisamos vivenciar uma experiência intensa e surpreendente para nos libertar.
Uma “queda” é necessária para nos reconduzir ao Caminho; quanto mais ensoberbecidos e pedantes formos, tanto mais dramática será a nossa experiência de “queda”. Jung nos adverte: “Uma consciência convencida está tão hipnotizada por si mesma que não permite que se fale com ela. Portanto está destinada às catástrofes, que em caso de necessidade a matam”.
O seu guardião e condutor de alma têm que ser solicitados, pois não será possível vencer com apenas a força da razão.
A libertação é o arquétipo dessa qualidade-momento, que desestrutura a cristalização dos conceitos, nos libertando da prepotência e das idéias fixas. Como conseqüência, chegamos à água da vida, agora que a estrutura que nos aprisionava foi destruída e, que o pior passou.
Esse momento de libertação das estruturas que nos aprisionavam, destroem também as idéias equivocadas de um tempo quantitativo, linear, composto de passado, presente e futuro. Ken Wilber descreve assim esse esforço inútil: “Incapazes de viver no presente intemporal e de nos banharmos com prazer na eternidade, buscamos como anêmico substituto à mera promessa do tempo, sempre com a esperança de que o futuro traga o que tanto nos falta no presente”. Esse salto de consciência nos liberta da prisão do tempo e nos dá de presente uma ilimitada liberdade. Essa foi à compreensão profunda que Sidarta Gautama obteve no final da sua viagem, quando o rio lhe ensinou que o tempo não existe; pois, o rio está ao mesmo tempo em todo o lugar, na fonte e na embocadura, na cascata, em volta da balsa, na cachoeira, no mar, nas montanhas e em todo lugar ao mesmo tempo. Para ele só existe presente. É o arquétipo da sabedoria, que tem como tarefa criar esperança e visão. É o ser desperto que Sidarta Gautama nomeia, – Buda.
Esse momento, no desenvolvimento do ser aqui apresentado, que está revivendo o caminho que Obàtálà fez, é o arquétipo da sabedoria, onde a tarefa é criar a visão de um futuro novo e de criar esperança, pois tem como objetivo entender os inter-relacionamentos espirituais e obter o conhecimento da sabedoria Cósmica. Sua disposição íntima é confiar no futuro, sentir-se jovem novamente e revigorado.
O despojamento é a premissa nessa qualidade momento, pois sabemos que não precisamos mais temer o momento vindouro, nos resguardando no presente de possíveis perdas futuras. A apreensão e o medo do futuro são descartados no presente momento.
Certas atitudes neuróticas que foram herdadas com a “queda” como, o medo de perder as coisas, que já não possuíam mais serventia, são aqui descartados. Como sempre, carrega em si o paradoxo, a polaridade, pois corre o risco de não ver o presente, ausentando-se numa ilusão.
Quando o nosso ser chega neste patamar, ele deixou para trás várias fases que precisavam ser vivenciadas, porém, a sua obra de vivenciar o “caminho de volta” não terminou e está ainda por ser realizada. A sua alma foi liberada do aprisionamento em que se encontrava, porém, continuar o difícil regresso lhe é requerido doravante.
No Candomblé, através do ritual propiciatório, é feito o “sacudimento” do negativo; depois “despacha-se Èsù, para que ele propicie um novo caminho; tomam-se os banhos, descansa-se, para que se possa “dar obí ao Òri”, – “refrescar a cabeça”.
Porque isso? Porque precisamos que Òri, nosso espírito encarnado seja receptivo ao nosso Òrìsà, nosso Guardião. O passo seguinte é muito importante de ser realizado: o “borí”, restabelecendo-se a conexão com o “doublé”, o alto e o baixo, entre o Òri e o Eledá. Isso deverá ser providenciado logo em seguida ao obí, não se deixando passar muito tempo, pois: “… Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos buscando pouso, mas não o encontra. Então diz: voltarei para a casa de onde saí. E, voltando, acha-a desocupada, varrida e adornada. Então, vai e leva consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando, habitam ali. “São os últimos atos desse homem, piores do que os primeiros”. Mateus 11:43-45. Por quê? Porque a casa está varrida e adornada, porém continua desocupada… Urge então fazer a conexão, através do borì, e ocupá-la com o seu guardião, – Òrìsà.
Temos que ter nessa fase a sabedoria, pois já percebemos que as forças do inconsciente são poderosas e que é preciso ter uma consciência bem desenvolvida para vivenciar essa qualidade momento, pois “é estreita a porta”. Exatamente porque a verdadeira natureza do inconsciente é ser bipolar e ambivalente, portanto, o comportamento do condutor de almas – Èsù, também paradoxal, pois, no caminho da realização do si mesmo é decisivo entender que o condutor de almas não é o objetivo, mas, a partir dele, podemos chegar à totalidade. Por isso, em todas as religiões há experiências como o jejum, silêncio e a solidão, meios que ajudam ao iniciado a atravessar esse portal iniciático. Agora temos que enfrentar os medos mais terríveis que bloqueiam o coração. Tomar consciência do que foi a sua infância, desmascarando os mecanismos que bloquearam o seu crescimento, escravizando-o e impedindo-o de expressar espontaneamente os seus sentimentos. Os fantasmas interiores, geradores dessas angústias devem ser enfrentados doravante. Essa viagem através da noite da alma levará o ser a uma enorme ampliação da sua consciência. O perigo de perder tudo no último momento é devido a uma manobra habilidosa do ego. É a mais profunda sondagem da nossa natureza interior e inconsciente. Entretanto, é a melhor oportunidade de toda a jornada para um verdadeiro encontro consigo mesmo. É o andar na “corda bamba”, superando com cuidado o limiar do medo, sem se confundir e nem se perder, pois tem como objetivo o regresso à luz; mesmo correndo o risco de perder-se na floresta encantada da alma.
Vencida essa etapa, o ser resplandece, pois estabeleceu um contato com a eternidade, conseguiu atravessar todos os véus que escondia o seu ser búdico que sempre existiu. Agora é um ser desperto que entenderá o Caminho revelado por Jesus, tornando-se Crístico. O ser aqui voltou a ser criança, encontrou a sua simplicidade, o seu ser búdico não tem mais o ego atrapalhando-o, pode agora vivenciar o, “Nega-te a ti mesmo, toma a tua cruz e siga-me”. Jesus.
Está pronto, venceu! No inicio da jornada, era o tolo ingênuo, agora é o tolo puro. É o arrebol da vida, sua verdadeira reconciliação aconteceu, trazendo um novo nascimento, uma percepção sábia e uma humildade madura. Intimamente é um ser despreocupado, cheio de alegria e leveza pela vida.
Aqui, nessa fase derradeira, o ser completou os dois ciclos de iniciação, fez suas viagens, diurna e noturna. Aconteceu, no início, o caminho masculino, para o desenvolvimento do seu eu; depois, fez o caminho feminino, que o levou à superação dos símbolos masculinos de poder e a totalidade que agora se encontra nessa qualidade-momento. Vivenciou, até aqui, três estágios: na infância: o estado simbiótico; na adolescência: a partida e o despertar; e o amadurecimento: desenvolvimento de sua personalidade. Tudo isso para que, na maturidade, pudesse entrar no processo de iniciação e individuação, sua abertura transpessoal, com o objetivo da libertação, integralidade e consciência da unidade total. O ser agora viverá a reintegração das partes recém-resgatadas. Instintos, intuição, intelecto, emoção e sensação fundem-se no novo ser espiritual, dando o penúltimo salto qualitativo de consciência, um renascimento.
Está salvo, tornou-se inteiro; houve o milagre da transformação, encontrando a paz da sua alma, altar do seu Espírito. Transpor esse portal iniciático, só o faz quem nunca reprimiu ou comprimiu a sua natureza pessoal, seu guardião, genitor mítico e terreno, Òrìsà, mas sempre, aquele que a realizou. Esse é o objetivo da vida, que dá o verdadeiro sentido e realização: servir a Bàbá Òlórum-Olòdùmaré.
Dados Bibliográficos
Iniciação ao Candomblé – Zeca Ligiero.
O Povo do Santo – Raul Lody.
O Homem e Seus Símbolos –C. Gustav Jung.
O Segredo da Flor de Ouro – C. Gustav Jung e R. Wilhelm
A Energia Psíquica – C. Gustav Jung.
Escritos Básicos – Chuang Tzü.
Buda e Jesus – Carrin Dunne.
Escritos Diversos – C. Gustav Jung.
A Prática da Psicoterapia – C. Gustav Jung.
Magia Interior – Robert A. Johnson.
Jung e os Evangelhos Perdidos – Stephan A. Hoeller.
A Vida Simbólica – Escritos Diversos – C. Gustav Jung.
He, She,We – Robert A. Johnson.
Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo – Jung.
O Livro de Ouro do Zen – David Scott & Tony Doubleeday.
Candomblé, Religião do Corpo e da Alma – Carlos E. Marcondes
As Senhoras do Pássaro da Noite – Carlos Eugênio Marcondes
Awô – Mistério dos Orixás – Gisele Bion Crossard.
Caminhos de Odù – Agenor Miranda da Rocha.
Òrun Aiyé: o Encntro de Dois Mundos – José Beniste.
Águas de Oxalá – José Beniste.
O Jogo de Búzios: um encontro com o desconhecido. J. Beniste
Mitologia dos Orixás – Reginaldo Prandi.
Candomblé da Bahia – Roger Bastide.
Igbàdù, a Cabaça da Existência – Adilson de Oxalá.
Elégùn, iniciação no Candomblé – Altair T’ògún.
Os Nagô e a Morte: Pàde, Àsèsè e o Culto Éégun – J. Elbein
Notas sobre o Culto aos Òrìsà e Vodun – Pierre F. Verger.
Orí Àpéré Ó – Maria das Graças S. Rodrigué.
O Terreiro e a Cidade – Muniz Sodré.
Os Candomblés Antigos do Rio de Janeiro. Agenor Miranda
Fluxo e Refluxo – Pierre Fatumbi Verger.
Faraimará – O Caçador Traz Alegria. Cléo Martins.
Ego e arquétipo – Edward F. Edinger.
Eu e o Inconsciente – C. Gustav Jung.
Interpretação Psicológica do Dogma da Trindade – C. G. Jung.
Desenvolvimento da Personalidade – C. Gustav Jung.
Adivinhação e Sicronicidade – Marie-Louise Von Franz.
Psicologia e Religião – Carl Gustav Jung.
Psicologia e Alquimia – Carl Gustav Jung.
Tipos Psicológicos – C. Gustav Jung.
Meu Tempo é Agora – Maria Stella de Azevedo Santos.
Do Tronco ao Opá Exin – Marco Aurélio Luz.
Euá, a Senhora das Possibilidades – Cléo Martins.
Religião Afro-brasileira e resistência cultural – Júlio Braga.
Iyá Mi Òsun Muiwá – Descóredes Maximiliano dos Santos.
Encantaria brasileira – Reginaldo Prandi.
Porque Oxalá não usa ecodidé – Descorédes M. dos Santos.
Orixás – Pierre Fatumbi Verger.
Candomblé – A panela do Segredo – Cido de Òxun Eyin
A Luz da Ásia – Edwin Arnold.
A Natureza da Psique – C. Gustav Jung.
Presente e Futuro C. Gustav Jung.
Memórias Sonhos e Reflexões – C. Gustav Jung.
Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo – C. Gustav Jung.
Psicologia do Inconsciente – C. Gustav Jung.
Sincronicidade – C. Gustav Jung.
I Ching, o Livro das Mutações – Alayde Mutzenbecher.
I Ching. Uma abordagem Psicológica e Espiritual – Roque E.
I Ching, o livro das mutações – Richard Wilhelm.
Psicologia da Religião Ocidental e Oriental – C. Gustav Jung.
Bíblia Sagrada – Sociedade Bíblica do Brasil.
Bíblia do Ministro – Edição Contemporânea de Almeida.
Glossário
Àbá – princípio que induz um sentido, uma direção e um objeti
Abíyán – iniciado em primeiro grau no culto aos Òrìsà.
Adimù – caminho que se dá através de um ebó para alguns odus
Àdó-ìran – cabaça de pescoço longo usada por Èsù para sua
bilocação.
Àgbà – ancião descendente antigo e ancestral familiar.
Àgbára – força que se propaga de forma inesgotável.
Àgbèniàdé – força feminina, essência de Oyá, energia do fogo
Agemo – camaleão consagrado por Olórun em sua corte como
o“mago dos disfarces”, responsável na Gênese ao ajudar a
Odùdúwà a criar a Terra.
Àiyé – existência manifesta, universo material habitado, a
Ajàgun – elementos espirituais agressores e destrutivos.
Abìkú – criança que nasce e morre ou nasce morta, pois não
quer nascer.
Akítàlé – sentido da dimensão e orientação no espaço.
Akòkó – árvore sagrada e consagrada a Oya Igbàlè, onde são
ivocados os ancestrais.
Àlá – grande pano branco que representa a proteção da vida
dada por Òsàlá.
Ara-àiyé – corpo dos seres manifestos que habitam a Terra.
Aláàbaláàse – aquele que tem e possui o poder de realizar e o
propósito de criar a vida.
Alàtùúnse Àiyé – Aquele que coloca o mundo em ordem, título
dado Òrúnmìlà ou Adjàgunalé – Sacerdote de Olórun.
Aparákà – eègún ancestral mudo de primitiva evolução
Àpére-odù – almofada que cobre o trono de Olórun, contendo
Àpó – pilar.
Àpó-Iwà – pilar da existência por onde Odùdúwà desceu para a
criação do Àiyé.
Ara – corpo material.
Ara-ènia – corpo humano.
Àra-Orún – corpo astral, ser do além, espírito não manifesto.
Aroni – companheiro inseparável de Osanyin.
Asiwajù – aquele que vai à frente.
Àtúnwá – conceito Yorubá de continuação da vida após morte,
sendo que o renascimento é feito sempre dentro da mesma
família sob a guarda do mesmo ancestral guardião.
Àse – princípio de realização.
Àsèsè – origem da massa matéria progenitora Ipórì, de onde o
Òrìsà tirou uma porção para engendrar os seres humanos e,
lugar para onde eles voltam quando termina o seu ciclo de vida
na Terra.
Babá Àjàlá – Òrìsà funfun, responsável por modelar os orì-odè
para Orìsànlá.
Babá Olórun-Olódùmarè – Termo pouco usado, que unifica as
duas nomenclaturas como pertencentes à mesma divindade,
Babaláwo – sacerdote responsável pela consulta ao oráculo Ifá
através do opelé e dos ikins. O seu culto está extinto no Brasil
Baobá – grande árvore sagrada africana, do princípio da terra,
representa ancestralidade do Àiyé.
Bàra Èsù – Èsù do corpo.
Bori – ritual de consagração ao orì onde o ejè é usado.
Búzios – uma qualidade de cauri, dos rios africanos, usados
como moeda de troca na África antiga, assim como, manipu
lados em consultas oraculáres, fios de conta e assentamentos.
Caboclo – entidade ancestral guardiã, de origem indígena
cultuado no Candomblé de Caboclo (Angola) e na Umbanda.
Cidade de Ifé – local sagrado onde foi criada a primeira
comunidade na Terra.
Cotonu – cidade nigeriana onde se cultua o Panteão Yorubá.
Dan – serpente sagrada, não venenosa que representa
Òsunmaré através dos seus ciclos infindáveis de renovação.
Djina – nome dado ao iniciado no sìré de “feitura” pelo Òrìsà a
pedido de sua madrinha de santo.
Ébò – sacrifício e oferenda.
Èegún Elégbàjó – primeiro ancestral.
Eerúpé – lama.
Egbè Òrún Abiku – “confraria” de espíritos que no Orún não
querem mais nascer de novo, voltar à Terra, para viverem seu
destino, provocando assim a sua morte prematura após o nasci
Eyelé – pássaro (pomba), responsável na criação da Terra, por
espalhar terra sobre as águas primordiais.
Éjì-Ogbè – o primeiro, o mais velho dos odù, responsável pela
Criação da vida.
Élédá mi – meu Criador.
Elérìíi ìpìn – testemunha do destino.
Egbé-Eléye – sociedade das “possuidoras de pássaros”.
Èmí – hálito ou sopro divino que gera a vida no Àiyé, respira
cão.
Emù ou Oguro – vinho da palmeira igì-opé que constitui uma
proibição para os filhos de Òsàlá, por fazer parte de sua maté
ria de orígem.
Érìndílógum – consulta ao oráculo co 16 búzios, onde o patrono
é Èsù.
Èse ntaié Odùdúwà – marca deixada por Odùdúwà ao pisar no
Àiyé.
Eteko, Òrìsàteko, Oba Dùgbè – grande guerreiro, associado a
Obàtálà nas longas disputas pela liderança com Odùdúwà. Seu
templo situa-se em Ìjúgbè.
Èsù – princípio dinâmico que mobiliza, transporta, transforma,
comunica e faz crescer, princípio da existência individualizada
no sistema Nagô. Filho de Òrúnmìlà e Yébìírú, do branco e do
vermelho, primeiro-nascido da criação que foi transferido para
a Terra.
Èsù Baràbó – Èsù de proteção ao corpo físico.
Èsù Elègbára – Senhor do Poder do Corpo Astral e físico, com-
panheiro inseparável de Ògún.
Èsù Enìré – princípio dinâmico responsável pela fecundação de
Òsun.
Èsù Igbá-kétà – o “três”, o descendente filho, o terceiro
elemento, a terceira pessoa.
Èsù Òna – o Senhor dos Caminhos, controlador dos òna burúkú,
caminhos condutores de elementos malignos e, dos Òna reré,
caminhos das coisas boas; tanto no Òrún quanto no Àiyé.
Èsù Yangi – protoforma e matéria do universo, argila vermelha
de nome lacterita.
Gbáiyé-gbórun – Aquele que vive tanto no céu quanto na terra,
nome dado ao sacerdote Òrúnmìlà.
Ibégi – gêmeos, personalidade dividida e protegida por
Òsàlúfón.
Ìdítàa – local em Ile Ifé, onde Obàtálà chegou do Òrún com o
séquito de Òrìsà-funfun para encontrar-se com Odùdúwà e,
começar a criação dos seres.
Ìyálorìsà –“mãe dos Òrìsà”
Ìyálàse – sacerdotisa, mãe do àse.
Ìyàwo – noviça inicada no santo após a “feitura”.
Iyò-òrún – nacente do sol.
Ìwò-òrún – poente do sol.
Ìfá – divindade oracular que representa o sistema, o
conhecimento e a sabedoria de Òlorun.
Igbá-nlá – lado grande da cabaça que representa a Terra e a
Odùdúwà, princípio feminino do branco, Iyánlá por excelência.
Igbà-Odù – cabaça-símbolo que representa os dois genitores
na Criação.
Ìgbín – caramujo africano, alimento principal dos Òrìsà-funfun.
Ìguí-òpe – qualidade de dendezeiro de onde se extrai o vinho
de palma, emu.
Ìjá – Òrìsà valente e brigão, parecido com Ògún, não cultuado
no Brasil.
Ijesá – localidade localizada ao norte de Ondo e, a noroeste de
Ìfé; povo chamado omo-ígì, “filhos dos gravetos”, tendo como
primeiro ouá, Ajacá ou Obocum.
Ìkù, Òjègbé-Àláso-Òna – Ìrúnmalè da Morte, um ebora, repre-
sentado por um ópà denominado Kùmòn, que serve prá matar.
Ilé Ifè – “Berço da Terra”, primeira cidade fundada no Àiyé.
Inà – fogo que ilumina.
Ìdio – local onde Odùdúwà desceu e, que hoje está o “bosque
sagrado” em Ìfè.
Ìpórì – “massa-matéria” progenitora de orígem que o Òrìsà
pega para criar o ser humano.
Ìròko – árvore proeminente sagrada e milenar, paramentada
com um òjá-funfun por representar o Òrìsà Ògìyán.
Irúmalè Omo-ancestres – filhos dos primeiros ancestrais.
Irúnmalè-ancestre – primeiro ancestral.
Isó – fogo que destrói, larvas vulcânicas.
Ìtàn-Ifá – mitos ou contos que estão compreendidos nos 256 Odù.
Ìtàn àtowódówó – mitos, recitações, histórias dos tempos imemoriais, transmitidas oralmente pelos babaláwo entre gerações.
Ìtàn ìgbà-ndá àiyé – história mítica sobre a Criação que se encontra no Odù Ifá Òtúrúpòn-Òwónrín.
Ìwà – princípio da exstência.
Ìwín – espíritos que residem em algumas árvores sagradas.
Ìwòrì-Ògbère – terceiro Odù que representa na Criação a reconciliação, o desprendimento espiritual da matéria.
Iyá-mi – mãe ancestral.
Ìwòrì-Méjì – segundo filho de Éjì Ogbè e Òfun, representa o sul, masculino, rege os braços e pernas.
Iyá-nlá – termo usado quando se refere a Odùdúwà como a “grande Mãe, símbolo do poder ancestral feminino, ligado a criação do Àiyé, imagem coletiva da matéria de origem, – lacterita, de onde emergiu o primeiro Èsù Yangí.
Iyewà – Òrìsà feminino, guerreiro da cidade de Egbado.
Ké – grito emitido pelo Orìsà que o caracteriza.
Lamurudu – primeiro ser modelado no Àiyé por Òrìnsànlà.
Làtópà – princípio e elemento catalizador que coloca o mundo em movimento.
Lógun Ède – filho de Odè Erìnlé, o caçador de elefantes, que Osùn Ìpondá levou prá viver no fundo do rio, lugar chamado Ibualama onde fecundou Logun, de nação Ijesà, da cidade de Edé, à sudeste de Òsógbó.
Nana Burucu – Òrìsà responsável na criação do Àiyé pela orígem do ser humano como matéria de origem, a lama inicial, a mãe mítica.
Niger – rio africano de maior extensão da Terra.
Òtún – lado direito.
Ósì – lado esquerdo.
Obá – rei, senhor.
Òsetùwá – Um Èsù Elérù, senhor do carrego, aquele que levou aos pés de Olórun o poderoso ebó que permitiu a continuação da vida no Àiyé. O carrêgo era enìá, – ser humano. Nascido do ventre de Òsun Olorí, Iyá-mi Ajé, e dos 16 Irúnmalè.
Obàtálà – simbolo do princípio criativo masculino, responsável direto pela criação de todos os seres no Àiyé.
Odùdúwà – símbolo coletivo do princípio feminino receptivo, responsável pela criação material e manifesta do Àiyé.
Odè – nome dado ao Òrìsà Òsóòsì na forma de caçador.
Odè Ibualamo – qualidade de caçador de Òsóòsì, pai de
Logun Edé com Òsun.
Ododún sise – repasto comemorativo que os filhos de Òsàlá fazem uma semana antes das “Águas de Òsàlá” para Odùdúwà.
Odùa – nome dado a Odùdúwà.
Odù-Ifá Òtúrúpòn-Òwónrín – Odù que retrata a Criação do Àiyé.
Òfurufú – nome dado ao hálito divino que gerou os seres.
Òjá-funfun – pano branco usado para cobrir ou amarrar
preceitualmente o orì e troncos de árvores ancestrais.
Okambi – filho de Odùdúwà.
Òkè ìpòrì – símbolo individual do progenitor mítico, retirado da massa-matéria de orígem.
Okù-Òrún – ancestrais que antes eram ará-àiyé, passando após a morte a ará-òrun.
Olódùmaré – Senhor do espaço vasto e ilimitado.
Olókun – divindade feminina, do fundo do oceano, fundo do mar.
Olómìtutu – aquilo que possui em si a essência da água e umidade.
Olórun – Senhor que olha e abrange todos os espaços.
Olórun Baba Olódùmaré – denominação síntese da Divindade Suprema.
Omì – água.
Omì-èrò – água sêmem do caramujo africano igbin, elemento que apazigua.
Omìndárewà – qualdade de Yèmonjá.
Omo-Odù – filho do odù.
Omo-Odùdúwà – filhos de Odùdúwà. Todos os nascidos no Àiyé.
Òna – caminho.
Onìbodè – entidade guardiã responsável pelo renascimento no Àiyé.
Onìlé – espírto ancestral do centro da Terra.
Òona-Òrún – local designado por Olórun para a criação do Àiyé.
Òpàòsùn – cajado de metal com apenas uns sininhos na sua extremidade superior, significando estarem os mundos ainda unidos.
Òpàsóró – cajado de metal ou madeira, com uma pomba na sua extremidade superior, contendo entre os seus espaços restantes 3 discos metálicos com sinos, estrelas, igbins e correntes, espaçados entre si, representando a separação dos mundos criados. A base do òpà que se apoia na terra é o quinto mundo manifesto, – a Terra.
Òsàlúfón – representação do Òrìsà Òsàlá na sua forma idosa.
Opèlé – instrumento oracular usado por sacerdotes no culto a Ifá.
Òpó-òrún-oún-àiyé – pilar de ligação entre o Orún e o Àiyé antes da Criação.
Olúlòná – aquele que desbrava os caminhos. Titulo usado por Ògun.
Oráculo Ifá – sistema de consulta aos Odù e seus Ìtan, que tem como finalidade, orientar e proteger os adéptos e iniciados conforme a vontade do seu Òrìsà guardião.
Orìnsunré – força adormecida e não manifesta que representa o passado e a noção de tempo.
Òrìsà – guardião genitor mítico, matéria de origem.
Òrìsà-funfun – Òrìsà ligado ao branco e a fecundação.
Òrìsà Nlá – O “grande Òrìsà”, – nome dado a Obàtálà no seu ingresso ao Àyé para a criação dos seres.
Orobó – fruto africano que serve de repasto nas obrigações de Sàngó e Oya.
Orobóros – simbolo que representa a continuação da vida através de uma serpente mordendo a própria cauda.
Oropo – local sagrado em Ilé Ìfè, onde Òrúnmìlá pactuou a paz entre Odùdúwà e Obàtálà.
Òrun – espaço espiritual sagrado separado do Àiyé.
Òrun Àkàsò – local sagrado no Òrun onde Olórun escolheu para a criação do Àiyé.
Òrun ìnsalè mérèèrin – Os quatro espaços à baixo da Terra, onde os espíritos e seres são menos evoluídos.
Òrun méèèsán – os nove espaços do Òrun.
Òrúnmìlà ou Adjàgunalé – Sacerdote de Olórun, a sabedoria e o conhecimento expresso. É quem estabelece os desígnios através do oráculo Ifá, – sistema oracular.
Òsùn – instrumento de ligação entre os mundos, usado pelos babaláwos que substitui o Ìsan, haste-descendente que serve para a comunicação entre os seres humanos e os ancestrais.
Òsányìn – Òrìsà responsável pelo uso fitoterápico das plantas, curando o ser humano de mazelas físicas e espirituais.
Òsun – Òrìsà genitor no Àiyé, ligado a procriação e a descendência dos seres, útero fecundo que fertiliza a Terra através da água da chuva, dos rios, cachoeiras, lagos e, do ser humano, através da placenta e da água.
Otà – pedra usada como “assentamento” do Òrìsà no Pejí.
Òsàálá – Òrìsà que representa a criação da vida, a paz e, a proteção do ser.
Òsúmàrè – Besen e Frekuen (fêmea e macho), representado pelo arco-íris, protetor da terra contra as enchentes provocadas pelas chuvas, responsável pela fertilização, promove a riqueza e a alegria. Elemento de ligação entre o Àiyé e o Òrun.
Òtún-Àiyé – lado direito do mundo.
Òsì-Àiyé – lado esquerdo do mundo.
Oyá – única èbora-filha etre os Òrìsà femininos da esquerda, associada aos ventos, tempestades, à floresta, animais, espíritos, ao relâmpago, ancestrais masculinos e Èeguns. Segundo alguns, é a manifestação de Sàngó, sua contra parte feminina.
Sàmmó – atmosfera, ar, espaço ente o Òrun e o Àiyé.
Sàngó – ancestral divinizado, responsável pela criação de sistemas de reinados, administrador dos reinos conquistados.
Sígno Odù-Ifá – símbolo que representa no tabuleiro o nome do odù pesquisado através do opelé de Ifá.
Sistema Bámgbóxé – modelo de consulta aos búzios usado no Brasil por algumas casas de Salvador e Rio, implantado pelo babálawó Bámbóxé.
Saponan – Òrìsà responsável pelas epidemias e doenças provocadas por vírus, filho de Naná, – Obàluaiyé. “O Senhor da Terra”.
Siré – dança festiva que promove, cultua e convoca os Òrìsà através do transe em seus filhos a virem à Terra.
Yangí-Èsù – pró-criado na Gênese Yorubá, protomatéria do universo, interação da lama argilosa denominada lacterita com a água. Primeiro criado por Olòrun na manifestação do Àiyé.
Yánsàn – nome dado a Oya quando do transporte dos espíritos entre os mundos.
Yébìírù – mãe de Èsù, esposa de Òrúnmìlà. No Àiyé, viveram em Iworo e tiveram muitos filhos. O primeiro foi Elègbàra.
Yeyemowo – esposa de Òsàálà.
Yorubá – linguagem religiosa usada pelos povos originários da Nigéria e Benin.