Por Ivian Destro Boruchowski, MEd
Coluna Educação Bilíngue
“Uma língua é o lugar donde se vê o mundo
e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir.
Da minha língua vê-se o mar,
da minha língua ouve-se o seu rumor,
como da de outros se ouvirá o da floresta
ou o silêncio do deserto.
Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação”.
Vergílio Ferreira, trecho de “A Voz do Mar”, in Espaço do Invisível 5,
Lisboa, Bertrand, 1999, pp. 83-84.
Uma amiga e cúmplice de pesquisas sobre Português como Língua de Herança, Ana Lúcia Lico, fez uma pergunta fundamental a pais imigrantes: quando você saiu do seu país, o que você trouxe em sua mala? Certamente, nossas malas não estavam vazias. Eu, com muito cuidado, selecionei, trouxe para os EUA e organizei em minha nova casa os mais de 300 livros de literatura em língua portuguesa que tenho. Para mim, eles são meu tesouro, marca de quem sou, de histórias que me ensinam a refletir sobre mim mesma e sobre o mundo.Todos nós, pais imigrantes, trouxemos tesouros: aquela pequena escultura da arte popular que embalamos com cuidado e carregamos na bolsa de mão para que não se quebrasse. Os CDs que guardam mais do que músicas: carregam memórias especiais que, muitas vezes, não são apenas sonoras, pois têm cheiro e gosto. Aquela toalha de crochê que a tia fez a mão, que não combina mais com a decoração, mas que repousa na gaveta dos retratos de família. Segundo Ana Lúcia, assim é quando imigramos, trazemos na mala uma história material e imaterial da língua e da cultura de nossa família, de nossos laços e de nosso país de origem. Coisas, histórias, músicas, piadas, entre outros, que fazem e dizem quem somos. Um lugar de onde vemos o mundo.
Diante disso, seria impossível para mim viver em outro país e entregar uma mala vazia a meus filhos. Quando eu cheguei nos EUA, a maior pergunta que ecoava dentro de mim era: será que meus filhos vão conversar, conhecer, pertencer e usufruir dos tesouros da minha língua-cultura? Que sentido terão para eles as histórias e a língua que definem e dizem sobre quem eu sou, sobre o lugar de onde eu vejo o mundo?
Naquele momento ficou muito claro meu objetivo: estudar, aprender, refletir e ajudar pessoas a entenderem a importância das línguas de herança. Despertar o desejo e conscientizar sobre cultivar as línguas e a culturas das famílias imigrantes. É claro que isso é, todos os dias, trabalhoso e desafiante. Quanto mais estudo sobre as línguas de herança mais entendo o poder que a sociedade tem de influenciar na língua-cultura de uma pessoa. Muitas vezes, enfrentamos a resistência de cultivar nossa língua de herança dentro da família, na escola, entre vizinhos, etc.
Às vezes alguém pergunta: não seria mais prudente que seus filhos aprendessem muito bem o inglês primeiro, para depois aprenderem o português? Afinal, pensam, eles vivem nos EUA e precisam participar dessa sociedade. Em reposta, eu não só listo todos os mitos já desmentidos pelos estudos sobre o bilinguismo, mas eu mostro como meus filhos, bilíngues simultâneos são proficientes nas duas línguas e passeiam livremente pelas duas culturas. Então, devolvo a pergunta, que Ana Lúcia um dia me ensinou: como poderia eu ser mãe, ou pai, ou avô em uma língua que não me vem do coração?