Por Rita Turner
Coluna Culinariando
Esse mês o assunto é a mandioca, aipim, macaxeira, maniva. Raiz de muitos nomes. As palavras mandioca e aipim vêm do tupi. Mandioca vem de mandi-ó ou mani-oca, que significa “casa de Mani” (Mani é uma deusa que se transforma em mandioca) e aipim vem do termo ai’pi, que significa “o que nasce do fundo”, referindo-se à condição de tubérculo.
Íntima desconhecida
A palavra estrangeiro vem do latim extraneus que significa “o que é de fora, desconhecido, não-familiar”. Nesse sentido, a mandioca é ao mesmo tempo um produto brasileiro-estrangeiro. Alex Atala refere-se à mandioca como “íntima desconhecida” (do brasileiro). Está certíssimo. Apesar da mandioca estar presente no nosso cotidiano, sabemos muito pouco sobre ela. E o que é pior: tem muita gente que nem reconhece a mandioca como produto original brasileiro. Pois saibam que a mandioca é tão brasileira quanto o açaí. É nativa de terras Sul-Americanas (muito provavelmente brasileiras), muito antes das caravelas portuguesas chegarem na Bahia.
Voltando às raízes
A raiz da mandioca é a parte mais usada da planta. É dela que sai o amido que vira farinha – produto muito difundido na nossa culinária. Mas as folhas também podem ser utilizadas, como na maniçoba, prato típico do Pará. O caldo extraído do amido é o tucupi, usado em outro prato paraense – o pato no tucupi.
Comida de “índio”?
Antes de Cabral e Caminha, havia terra e nessa terra havia mandioca. Porém, uma coisa é reconhecer as origens da mandioca, outra coisa é simplificar a dieta dos povos nativos brasileiros à ela. Apesar de ser um alimento importante na dieta dos povos indígenas, eles também cultivavam outras espécies de amido, como a batata-doce e o milho, esse último sendo fruto do contato com povos andinos, como nos ensina Carlos Alberto Dória em seu ótimo livro “Formação da Culinária Brasileira – Escritos sobre a cozinha inzoneira”.
Comida de brasileiro
Se você cresceu no Brasil, alimentou-se de mandioca. Não precisa ser nortista para ter laços com a mandioca, como muitos pensam. Basta ser brasileiro. Basta ter nascido ali, na mesma terra onde nasceram as primeiras manivas. Quer ver? Atire a primeira mandioca quem nunca comeu pelo menos um dos seguintes: sagu, pão-de-queijo, barreado, vaca atolada, tucupi, maniçoba, bobó, escondidinho, pirão, tutu ou a famosa tapioca. Esses são apenas alguns pratos conhecidos feitos com mandioca (e seus produtos). Notem que as iguarias representam várias regiões brasileiras, de norte à sul.
Comida para exilados
A boa notícia para quem mora fora é que o amido de mandioca (polvilho) é um produto fácil de encontrar, basta procurar com carinho. Com ele, podemos fazer o tão querido pão de queijo. Aqui em casa eu faço aos montes e congelo para poder assar quando quiser. Outra hora falaremos do pão de queijo, pois ele merece um texto só para ele. Hoje, gostaria de deixar uma receita-dica para quem tem saudade da tapioca mas não encontra a farinha hidratada como encontramos no Brasil. Essa “receita” de massa de tapioca caseira é daquelas que requerem um investimento inicial de tempo e dedicação, mas uma vez que você consegue fazer, é só anotar as proporções e medidas e você nunca mais sofrerá de abstinência de tapioca.
Você vai precisar de um borrifador do tipo spray, que distribui a água de maneira igual e cobre uma superfície ampla (e não um jato único).
– Coloque uma xícara de polvilho numa tigela e borrife com água.
– AO mesmo tempo, vá misturando com um garfo até notar que se formam bolinhas bem pequenas, como a goma hidratada.
– Esquente uma frigideira antiaderente e peneire o polvilho por cima.
– Deixe no fogo até as bolinhas grudarem-se umas às outras, formando uma massa que pode ser virada como uma panqueca.
– Vire e cozinhe o outro lado.
– Recheie a tapioca com o que quiser, feche e sirva. Pode ser qualquer recheio, doce ou salgado: queijo, presunto, chocolate, leite condensado, frutas. Eu gosto de usar chocolate derretido e banana fatiada. Ou, se tenho em casa, recheio com bananada caseira, fica ótimo e é um sucesso com as crianças.
Agora é hora de pensar na sua comida favorita feita com mandioca. Já contou isso para seus brasileirinhos? Será o pão de queijo quentinho dos lanches da tarde? Ou a farofa do feijão? E aquele sagu feito com vinho (naquele tempo podia…).
A minha favorita é o Bolo Souza Leão. É para ele e para nós, brasileiros no exterior, exilados voluntários da nossa pátria da mandioca, que dedico esse pseudo-poema abaixo, inspirado na Canção do Exílio:
Minha terra tem guaraná
Tem tupi e açaí
A maniva nascida aqui
Agora é plantada lá
Nossa roda é de capoeira
Nossa sereia é Iemanjá
Nossos verdes são mais verdes
Nossos amores têm sabores
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá
Para praia de Boa Viagem
Provar o coco e a puba
No melhor doce que há
Rita TurnerRita Turner é correspondente de diversos blogs de culinária. Simpatizante do grande chef Alex Atala que costuma dizer que a comida é a maior rede social do mundo, Rita acredita na influência da cozinha na formação da identidade e a vê como um agente fundamental na preservação da cultura de um povo.